O problema
Com mais um pequeno passo eu despencaria por uma dezena de metros e me esfacelaria no chão. Meus pés tremiam, meu estômago revirava, ainda assim eu encarava o abismo bem a minha frente.
Nada como uma situação de quase morte para fazer um cabra lembrar do que é importante na vida e botar o juízo no lugar.
Dei um passo para trás, quase que instintivamente e segurei a ânsia de vômito.
De que valia a morte quando se tinha ainda um tanto de vida pela frente. Mesmo que essa vida não correspondesse as expectativas que foram plantadas para ela.
Não, eu não ia morrer, nem tinha me trepado no alto daquele prédio para isso.
Eu só queria beber sozinho, vendo tudo lá de cima, quase com desprezo pelos minúsculos transeuntes que seguiam de um lado para o outro na rua.
Acho que é algo reincidente para mim. Quando estou passando pelas minhas quase insuportáveis crises de solidão e frustração, é em algum lugar alto que eu me reencontro.
Mesmo que vá me perder horas depois e voltar pra a mesma situação de antes, estar acima do mundo me traz um pouco de serenidade, que o chão não pode me dar.
E isso chega a ser uma contradição, dado o meu medo de altura. Eu faço isso como uma peregrinação... em busca de iluminação, ou pelo menos por um pouco de paz.
Mas puta merda, dessa vez me ferraram de verdade.
A pior coisa do mundo é quando você deposita sua confiança em alguém que acha que merece, e essa mesma pessoa depois te dá o bote.
Mente, insiste na mentira e ainda procura dar alguma razão para os seus atos.
Chega a ser doloroso ter que encarar isso tudo. Eu fecho meus olhos e lembro... eu lembro, quando queria esquecer. E mesmo que a sujeira não tenha sido da minha parte, eu me sinto sujo.
Me sinto idiotizado, e não havia nada que o abismo pudesse fazer por mim.
Não dava pra jogar a angústia e a dor de lá de cima. Não dava pra cuspir isso tudo de mim.
Eu ia ter que conviver com aquilo e rezar para que eu não me tornasse um cara assustado com a vida. Paranóico... esperando rasteiras de todos os lados.
Eu sempre me orgulhei do fato de que eu sempre me via perdoando meus ofensores depois de algum tempo. Não havia espaço para muito rancor em mim. A raiva e a decepção borbulhavam um pouco em meu peito, mas meses depois eu estava pronto para outra.
O problema é que naquele momento eu não acreditava que isso fosse acontecer.
Eu me sentia aleijado emocionalmente, e diferentemente do que o mundo queria me convencer, não havia cerveja, ombro amigo e sorrisos femininos que pudessem me fazer esquecer o simples fato de que eu fui feito de idiota.
I D I O T A
há, mas talvez eu realmente seja um,
por acreditar,
por sempre acreditar em quem eu amo,
mesmo nas coisas mais improváveis.
O amor, parece que obrigatoriamente vem amarrado à sinceridade,
e a falta da segunda, destrói o primeiro,
mas quantas vezes eu tive motivos para não acreditar e insisti...
sem aceitar a derrota, sem aceitar o óbvio diante dos meus olhos
talvez seja mais ingenuidade do que idiotice...
talvez seja simplesmente Eu,
o problema.