Pequenos momentos
Saí do banheiro ainda pingando e me enxugando displicentemente enquanto caminhava para o quarto. Desde pequeno eu tinha o hábito de não me enxugar direito e me deitar com o corpo ainda molhado. Ana achava graça disso tudo e eu gostava de abraça-la, respingando água sobre ela. Mas no momento Ana devia estar no sétimo sono, esparramada na minha cama. Quando adormecia, ela ocupava todo o espaço disponível e me restava apenas uma pequena faixa no canto comprimido entre a parede. Nunca vi ninguém dormir como ela. Rolava pela cama e roncava sonoramente. Dormia bem em qualquer horário, bastava ter tempo.
Ela estava apenas de calcinha, deitada de costas, com o ventilador apontado para sua cara, tal era o calor.
Parei na porta do quarto e fiquei contemplando aquela cena. Era algo trivial e ao mesmo tempo era algo que fazia diferença na minha vida. O tipo de coisa que tornava os meus dias melhores.
Era um fim de tarde de domingo. Não tínhamos feito nada, além de transar e comer.
Agora ela dormia satisfeita, como uma gata depois do almoço.
O amor era feito de pequenas coisas. Coisas como aquela, e você só sabe o que isso significa quando vive algo assim.
Eu ia sentir falta quando ela fosse embora.
Quando ela fosse embora para casa,
E quando fosse embora da minha vida. Eu tratava aquilo praticamente como um fato consumado. Poucas eram as que se deixavam ficar por algum tempo. Nenhuma ainda tinha ficado “para sempre”.
Confesso que sigo essa busca meio infantil por alguém que represente um “para sempre”.
Eu ficava realmente ansioso quando estava com alguém de quem gostava, e talvez fosse justamente isso que fazia as coisas acabarem.
Ana era maravilhosa, cada centímetro do seu corpo me excitava e a conexão que criamos foi a pá de cal que faltava para eu me apaixonar perdidamente.
Ficávamos horas conversando sobre todo e qualquer tipo de coisa. Ouvíamos tipos semelhantes de música, e ela sempre me apresentava algo legal e diferente.
Com ela sempre tinha algo novo posto à mesa. Era uma relação que se auto alimentava. Pelo menos esse era o meu ponto de vista das coisas. Nunca se sabe o que se passa na cabeça do outro. Nunca se sabe quem está menos ou mais envolvido e se os pensamentos e planos são realmente compatíveis. Só que ela me fazia ignorar esses pensamentos e me focar só no desejo, só no conforto.
Por isso que eu sabia que ela me faria falta. Com ela eu queria ser otimista, quando meu natural é uma visão pessimista ou mais realista do mundo.
Com ela eu queria esperar o melhor e queria fazer o melhor.
Me pergunto onde ela estava esse tempo todo, antes de me encontrar. Me pergunto quais os impactos que ela causou na vida de outras pessoas, positivos ou negativos. Quantos corações ela partiu, e quantos ela alimentou.
Ela estava sendo a cola que juntava os pedaços do meu, num fac-símile de um órgão inteiro e funcional. Parecia novo.
Mas não era. Era de fato bem usado e gasto. Talvez não tanto quanto o dela.
O tempo foi passando e minha contemplação foi se dissipando. Quis me deitar com Ana e esquecer de tudo. Queria ter o sono dela, mas do casal eu era o insone.
Me contentei em me agarrar em seu corpo e fechar os olhos.
Sem acordar, ela foi se ajeitando e nos entrelaçamos....
Talvez eu não precisasse de um “para sempre”. Talvez eu só precisasse aproveitar pequenos momentos como aquele.