Num par de olhos como os teus.
Nas minhas andanças encontrei amor em pessoas e lugares que antes eu não acreditava que fosse provável que ele existisse. Acredito que a minha própria definição de amor mudou nos últimos anos. A verdade é que é extremamente mais simples viver dentro de uma bolha emocional, numa zona de conforto que funciona quase como o seio materno para um recém nascido. Mas sair por aí e se expor aos elementos pode inverter completamente nossas convicções e certezas sobre a vida e sobre nós mesmos. Acho que os maiores amantes são andarilhos, seguindo por caminhos, cidades, pessoas e paixões, sem se preocupar onde vão terminar. Não posso dizer que sou um desses andarilhos, nem acho que encontrei as respostas que precisava nas caminhadas que dei por aí. Mas tenho certeza que ando de cabeça virada depois de sair da minha bolha. Já devo estar fora dela há uns dez anos, e tantas foram as quedas e tropeços que quase me esqueci como era estar confortável comigo mesmo,
salvo por alguns meses de companheirismo perdidos numa década de solidão.
Não vou reclamar, nem me lamentar do fato de estar onde estou, nem me arrependo das minhas escolhas, já que mais da metade do que eu sou é devida a isso...
Me perdi na minha prolixidade novamente, como é de costume. Perdão por isso...
Eu estava falando inicialmente que às vezes, o amor aparece em lugares e pessoas de forma inesperada. E da mesma forma, esse mesmo amor se perde e desaparece, sem deixar qualquer explicação aceitável.
Todas essas vezes, eu me pego cismando sobre como foi possível que aquilo acontecesse, e me questionando sobre minha própria culpa no ocorrido. Mas as cismas, meu spleen compulsivo, adquirido na adolescência e que ainda persiste, terminam me jogando num poço de amargura como o que eu estou agora.
– Ora porra – Eu não SOU esse cara.
Eu ESTOU assim. Talvez porque seja idiota,
talvez porque pensem que eu seja um.
No fim tanto faz, quando se está no poço e o céu e a luz parecem infinitamente distantes,
Eu vejo as paredes escuras, sujas de lodo e lisas demais para que eu escale,
e fico esperando uma corda que nunca chega, para que eu possa subir.
O poço precisa transbordar, e assim me jogar pra cima...
ai eu caio, cego e perdido, do lado de fora.
Ao meu redor, o mundo me assombra, com a vastidão de suas possibilidades,
ao ponto que chego a sentir falta do poço.
Nas minhas andanças, tantas vezes eu estive lá, que já o saúdo como um velho amigo.
Como se eu fosse um animal que periodicamente caísse em hibernação em uma caverna,
quando o tempo está hostil demais do lado de fora...
Olho pela janela do ônibus e vejo o mundo correndo,
ouço buzinas, conversas, e pessoas gritando,
“vai descer, motorista filho da puta” – “olha o cremosinho” e algumas oferecendo “A salvação pela palavra do Senhor”.
O mundo é a barbárie, eu penso. E temos sorte a cada dia que não morremos, ou não enlouquecemos.
Temos ainda mais sorte quando encontramos o amor.
Gosto de pensar que ele pode estar em qualquer lugar.
No assento ao meu lado no ônibus lotado, numa mesa de bar, na fila do pão ou simplesmente num par de olhos como os teus.