Metamorfose travada
O telefone seguia mudo e eu já não conseguia disfarçar a ansiedade. Olhava o aparelho de cinco em cinco minutos, mas ele insistia no silêncio. Pensei em quebrar o celular na parede e dar um fim aquele martírio que já durava alguns dias. Só que eu nunca fui dado a esses tipos de explosões de humor destrutivo e tudo ficou apenas no pensamento. Me resumi a desligar o celular e largá-lo no cesto de roupa suja esperando esquecer de sua existência.
Fui até a cozinha e encarei a geladeira. Contei as latas de cerveja no interior e cheguei a conclusão de não dava nem pro começo e que ia terminar mesmo no Uísque.
eu precisava destruir um pedaço de mim, precisava matar algo que insistia em viver dentro da minha cabeça, mesmo eu já tendo lhe dado ordem de despejo.
Precisava me embriagar e embaralhar meus pensamentos... precisava perder a consciência.
Abri a primeira lata e me sentei no chão. A paz de espírito parecia tão distante de mim naquele momento, que minha tristeza foi se tornando em raiva, minha angústia em decepção.
Como foi que eu terminei daquele jeito? Como me permiti...?
as latas foram se seguindo e depois de algum tempo, me encaravam, jogadas no chão da sala.
Secas, de conteúdo e de virtude.
Tudo se repetia. A minha vida era um círculo de paixões, amores e decepções.
de bebedeiras e ressacas.
Uma hora eu ia me acostumar.
E enquanto o tempo se arrastava, eu ia devorando o conteúdo das latas e garrafas de bebidas,
Como uma lagarta devorando folhas de uma planta.
Depois, farto, eu me jogaria no chão e me cobriria de lágrimas e lamentos, e me encarceraria num casulo de silêncio e contemplação.
Por um tempo eu serei pupa, imóvel, quase imperceptível.
Seco e morto por fora, mas fervilhando por dentro,
numa metamorfose caótica e febril.
Talvez eu renasça pronto para amar de novo. Para ser algo novo... Pra viver algo novo.
Ou só volte a ser lagarta...
Nesse ponto, tenho dificuldade de me ver voando por ai e beijando flores
quaisquer que sejam elas.