Eu e o Tempo

Às vezes deixo que o tempo passe e me escorra pelos dedos...

Os dias vão se sucedendo, as horas vão se acumulando sem que eu me dê conta.

Nos dias de semana, acordo pela manhã e me arrasto da cama para o banheiro,

escovo os dentes, dou uma cagada quando consigo, e tomo um banho frio.

frequentemente nem o contraste da água gelada em minha pele morna é suficiente para que eu me sinta um ser humano produtivo.

Me enxugo displicentemente e visto a primeira roupa que encontro no armário.

Sair de casa é outro tormento. O sol fere meus olhos, mas sigo cambaleante até o ponto de ônibus. Dou de cara com outros zumbis semi conscientes, no rumo de seus próprios trabalhos. Vejo poucos sorrisos. A maioria deles está sempre de cara emburrada, transparecendo um cansaço quase patológico. Cato as moedas do bolso e entrego ao cobrador. Sempre tomo o cuidado de separar os trocados com antecedência. Percebi que posso fazer um cobrador feliz ao entregar a passagem em moedas de pequeno valor. Isso facilita-lhes tanto a vida que muitos chegam até a agradecer e me dar bom dia.

Atravesso o ônibus tentando não esbarrar nas pessoas, sento-me e espero chegar ao meu destino. O trabalho é a mesma coisa de sempre, tirando breves momentos em que posso exercer minha criatividade. O tempo passa e conto as horas para voltar para casa.

Anoitece e eu encaro o trânsito em um ônibus sempre lotado. Vejo pessoas diferentes da ida, ainda mais cansadas que as da manhã. Ao chegar ao meu bairro, paro no mercado, compro algo para jantar e converso um pouco com a vendedora que sempre puxa assunto. Tento parecer simpático, mas acho que raramente tenho sucesso. Carrego minhas sacolas para casa e sinto um certo alívio ao dar de cara com a porta. Sobrevivi mais uma vez. Muitos não tiveram a mesma sorte. A gata preta me espera, esparramada no tapete. Dessa vez, como em tantas outras, percebo uma lagartixa morta ao seu lado. Caiu ali, um vivente com menos sorte do que eu. Talvez o amanhã iguale nossos destinos...

Atravesso a sala, jogo as compras no armário, me dispo e vou ao banheiro.

É comum que eu fique encarando a água escorrer por um tempo antes de me deixar molhar, como se tivesse hipnotizado. Aquele ritual sempre se encerra quando percebo que muito tempo já se passou e finalmente tomo coragem. Enxugo-me, guardo a roupa suja e visto alguma roupa leve. Janto quase sempre pão com queijo e ovos e uma xícara de café.

Sou dado a desenvolver certas rotinas. O jantar é uma delas.

Deito-me e me deixo embriagar por um pouco de comunicação instantânea e por todas as indulgências que a internet tem a oferecer. Assim, sinto-me um pouco menos robotizado.

Como não tenho televisão, termino ficando distante de parte do mar de bosta que a grande mídia tenta enfiar goela abaixo da população...

Mas a internet não perdoa. Não há como não se sentir pessimista com todas as notícias que me chegam aos olhos e ouvidos.

Me pergunto como as pessoas se permitem viver dessa maneira, como eu... deixando o tempo passar, enfiados em empregos sufocantes, em uma rotina que nos castra de qualquer possibilidade realização pessoal.

Só me restam os livros como fuga.

mas aí pego Bukowski, Hemingway, Kerouac, Cèline...

Puta que pariu, vejo minha angústia espelhada nas angústias deles, e que os anos passam e as pessoas continuam vivendo os mesmos tipos de vida.

Os que estão cegos para essa percepção são sempre os mais felizes.

Ah... eu não tive essa sorte.

Infelizmente, alguma coisa abriu meus olhos.

resta-me esperar pela próxima sexta feira pra viver alguma coisa que valha a pena.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 31/10/2016
Código do texto: T5808237
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.