Amargosto

Agosto vai passando, e um gosto amargo caminha sobre minha língua, enquanto eu caminho sem me dar conta pelas ruas do bairro do Recife.

Pedras seculares resistem, lado a lado, testemunhas de outros tantos caminhantes ébrios, como eu.

Enquanto o resto da cidade se renova, aquele bairro resiste ao tempo e a idéia de progresso. As pessoas que vivem ali, mendigos, comerciantes, boêmios, prostitutas, drogados e perdidos comungam daquela êstase, como se juntos mandassem o resto do mundo para o inferno, numa forma de auto afirmação.

Apesar de não morar ali, sempre que posso, me ponho a andar por aquelas ruas, tentando me contaminar com seu gosto agridoce de passado... Tentando depurar o amargo que enche minha boca.

O vento do porto sempre invade meus pulmões e deixa em mim um gosto de casa. A podridão das ruas, a embriaguez das pessoas, o gosto do vinho barato que eu bebo, a fumaça do cigarro consumidas pelas almas que me acompanham... tudo me faz me sentir em casa.

Ultimamente, sinto que mais do que nunca, preciso daquele pedaço único da cidade. Um bairro decrépito, de uma cidade marginal, de um país periférico, de um planeta ainda mais periférico, num pedaço do universo esquecido por Deus.

Talvez eu esteja me tornando um pedaço dele,

resistindo ao tempo e ficando um pouco para trás...

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 10/08/2016
Reeditado em 10/08/2016
Código do texto: T5724395
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