Deixa

Fiquei pensativo, claro, com tamanha deseducação, faça justiça comigo, passado é passado, certo? Então vá-se à merda. Desejam merda no teatro como sinal de simpatia, para que dê tudo certo. Cá entre nós, você com essa má-criação me deixou aflito um dia inteiro, mas na madrugada troquei o sono pela ideia e a sua chochice por inspiração. Sua pena pelo meu perdão.

Suspirei chateado, sentado, em frente ao espelho, ali, de frente pro crime, meu crime. Espantei-me com autocrítica.

Há efeito, quando digo a mim mesmo, palavras ríspidas e paternas. Enclino-me para ouvir o meu outro eu. Mas é tão-somente para ripostar, sei.

Me tenho por bom, tendo minha alma para cuidar, cominuo a maldade humana que também me arrasa. Mas me tomo por mau, me sinto mal, refalsado e bajulador, quando fico ali, simplório, assistindo a minha esporádica sessão de tortura, enquanto meu carrasco esmiuçando o passado de um eu que já nem eu sou, me humilha; sou réu nesse tribunal de exceção.

A benção do perdão é para todos. Perdão não prescreve.

Vá com Deus! O rancor ainda está ali.

Estou mantendo meu nível de cinismo e sei lá mais o quê que me sustenta, segundo sua murcha teoria sobre mim? Se ao menos eu não tivesse culpa alguma, na memória, tudo bem, nem ligava, mas fazer isso que você faz é direito?

É dizer que não presto, que sou insensível, que sou burro, como penso, como mudo, como falo, como sou, que eu isso e aquilo, um inferno com minhas emoções; o bom disso, é que só acredito em ti quando dizes que contar contigo não posso. Oblitera meu exemplo. Não te odeio, nem nada, só não me encha mais o saco com isso. Tô de lado contigo.

Eu cansei. Tu cansaste. Nós descansaremos.

A gota d'água fura a pedra.

De boa-fé!

E tirando o platonismo de lado, sim, posso ser uma figura híbrida, que supera o heroísmo juvenil e ora com amor. Na língua, no verso. Oprimido e exaltado pelo universo de palavras que paulatinamente sedimentaram destinos à minha volta.

Eu olvido. Tu olvidas. Nós olvidamos.

A moldura da vida é viver.

De belezas e nãos.

Paradoxalmente, de ti serei eternamente grato e ingrato.

Mas pra evitar, pra evitar mesmo, não me chama não, tá?!

Nem pra sacanear, nem pra perdoar. Deixa tudo assim, deixa.

Se perco esse minúsculo tempo dedicando-lhe essas breves palavras, é para que tu te revistas de desapego. Sem mais.

Eu mosco. Tu moscas. Nós moscamos.

Uma mão lava a outra.

Isso não é crônica, é antes uma esputação!

Drachir
Enviado por Drachir em 29/06/2016
Código do texto: T5682467
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