Sem alegoria nem adereço
Não consigo precisar uma data específica. Horário de Brasília então? Esquece! Só sei dizer que não há especificidade alguma em minhas lembranças. Muito menos das minhas lembranças. Só consigo rememorar que antes eu gostava de carnaval e fiquei alguns bons anos torcendo pro tempo passar rápido até eu poder entrar num baile noturno com o aval dos meus pais e da bilheteria. Enxergava o colorido das alegorias. O cintilar da purpurina e das lantejoulas me extasiava. Meu corpo fremia conexo com a cadência do batuque. O mundo me hipnotizava. E me iludia.
E o tempo continuou passando. Até que ser revistada na entrada do baile logo depois de comprovar a maioridade descrita na cédula plastificada já não era um acontecimento tão importante a ser ansiosamente esperado todo os anos. E o tempo, que nunca descansa na passagem entre um bloco e outro, continuou seu percurso até que a maioridade da cédula se tornou coisa de algumas décadas passadas.
Não sei se foi a passagem do tempo ou se responsabilizo a miopia pelo paulatino desbotamento do meu olhar carnavalesco de agora. Só sei que o carnaval da vida dura o ano inteiro, ano após ano. E aí escolhi não mais vestir fantasias, mas vivê-las de forma libertadora e conseqüente – sem ilusões – como escrever e me sentir uma escritora em pele de escritora. Se das boas? Aí é outra estória. Mas, como a fantasia é minha, os jurados que dela também fazem parte são condescendentes comigo mesma. Afinal é carnaval! Meus bailes se tornaram menos tumultuados, menos aglomerados e com muitos decibéis a menos. E me como me divirto!
Passei a olhar desconfiada para o excesso de maquiagem que geralmente se transforma em máscara. Aprendi a apreciar a beleza sem corretores ou cílios postiços. Cara lavada é lindíssima quando é reluzida pelas purpurinas que brotam espontâneas na alma que dança ao seu próprio som e no seu tempo próprio. Pois, como dizia a minha vó, carnaval bom só mesmo no tempo dela.