Vernissage
Chuva.
Vejo minha janela embaçada... Sei o que tem do lado de fora, mas não enxergo bem daqui. Por um instante tudo o que conheço do portão pra fora da minha casa não tem mais o mesmo significado - talvez, nem significado tenha mais.
Fico pensando, sozinho, em tudo o que consigo "ver" lá fora, imaginando o que são todas aquelas imagens e qual relação delas comigo. Quiçá, se um dia tiveram relação comigo. É tudo tão estranho, tão diferente, tão... surreal! Essa é a palavra: surreal!
Chuva...
As imagens vão se desfocando ainda mais... Passo a ver apenas vultos do que antes eu imaginava ser imagens... Mas esses vultos se tornam tão fortemente familiares que não causam temor; pelo contrário: sinto uma paz nunca antes sentida, vivida... Parece que agora vejo as coisas se encaixando melhor. Já interpreto alguns dos vultos - agora bem mais familiares - e entendo tudo o que me vem à mente nesse momento. Mente confusa, difusa; mente que mente, omite, regride. Mente.
Chuva...
Não vejo nem borrões mais na vidraça. Sei que escureceu, nada mais. Não há luz que possa trazer sombras consigo mais... Tudo é apenas uma única cor, um único sentido, uma única razão...
Não sei porquê, mas uma música me vem à cabeça agora. E fico cantarolando-a, de tamanha forma que uma calmaria invade o lugar em que estou agora - não faço a menor ideia mais de onde estou: se em meu quarto, se em uma sala, um calabouço... Apenas sinto que não há nada por aqui.
Silêncio.
A música para abruptamente na minha mente. Não ouço mais nada, nem mesmo a chuva. O que seria a chuva? Porquê, agora, todo esse vazio preenche ainda mais o lugar? Está tão cheio de nada o lugar que não ouço nem mesmo meus batimentos... Ouço apenas o passar do ar pelos meus pulmões, nariz e boca.
Por curiosidade, passo a mão pelo meu rosto, pra saber se estou mesmo respirando. Sinto uma pequena brisa passando pelo que acredito ser meu rosto e minha mão.
Pensamentos...
Muitos, ao mesmo tempo, que somem e voltam sem eu querer! Por quê não me deixam em paz? O que é a paz, afinal? Alguém sabe o que é isso? Me pego pensando que nada é igual pra ninguém mais... Inclusive, todos são diferentes: os que passaram por mim; aqueles pelos quais eu simplesmente passei; os que nem conheço e que nem me conhecem também.
O turbilhão de ideias vai ficando maior. E agora estou olhando para o nada, vendo que também não sou nada. Ninguém é nada. Nada é nada - mas também é tudo! E entendo... Por um momento, a futilidade de tudo que vivo e tudo que finjo ser (para aquela promoção, para aquela que tanto quis, para aquele que me aborrece por mera força do hábito) e vejo a relação de tudo. E enxergo clarões na minha janela.
Chuva.
Ouço pequenos pingos de chuva sobre meu telhado - bem velho e cansado de ser telhado - e fico imaginando se também ele se pegara pensando assim. Que loucura! Eu, já tão experiente e vivido, pensando como uma criança? Por qual motivo preciso me esconder assim de mim mesmo?
Chuva...
Chuva...
Chuva...