Tic tac

Tic tac

O relógio corria rumo ao vazio.

Ele havia cometido todos os erros possíveis e perdera tudo que lhe parecia importante.

Sentado na solidão de seu apartamento, relembrava seus anos passados e percebeu que tudo havia sido esculpido rumo a um momento fatídico e este momento havia chegado lentamente e ido embora rápido demais. Quando a porta se fechou atrás dela, tudo perdeu a razão de ser.

Os anos voltaram a se arrastar, um após o outro, em sua marcha locomotiva. Mas enfim, por uma vez mais ele tinha um objetivo, pois disseram que havia uma casa cheia de relógios e cada relógio tiquetaqueava seu compasso regressivo até os momentos de importância da vida de cada um.

“Um conta os anos da sua morte”, ouviu dizer, “e um outro conta os dias para sua pior tragédia”.

Perguntou dentro de si e depois em voz alta se lá “houvesse um relógio que contava o tempo para encontrar o amor da sua vida, você olharia nele?”

E ouviu um “sim” unânime, pois afinal, quem não gostaria de saber? Mas para ele, só houve o medo. Medo e a certeza de que para ele o cronômetro estaria zerado. Fechava os olhos e via dois ponteiros imóveis.

Sem tic tac.

Só o silêncio.

Foi nisso que pensou nos próximos dias. E nas próximas semanas e depois meses. E os meses se seguiam. Sentia que devia estar caminhando na vida, mas ao invés a vida caminhava à sua frente e estando preso pelas correntes do envelhecer ela o arrastava pelo chão.

Foi assim que, em uma manhã fria, fechou a própria porta atrás de si e seguiu rumo aos relógios.

Parou em frente à casa erguida em pedra, onde um senhor o recepcionou.

“O que você tem a oferecer?” perguntou sem rodeios.

Ele não havia pensado nisso.

“Nada” disse ele. “Só estava me perguntando, se eu olhasse em certo relógio e visse dois ponteiros parados, talvez eu finalmente tivesse forças para desistir”.

“Forças para desistir”, repetiu o senhor, se divertindo com a frase. “Mas perdeu sua viajem, não há ponteiros parados em minha casa.”

“Tenho certeza que está. Minha chance já veio e já se foi e meu tempo acabou. Eu ainda tenho caminhadas a fazer e nenhuma mão para segurar. A estrada é vazia e eu caminho rumo ao nada.”

“Se tem tanta certeza, então... uma vez que entrar lá não há motivo para sair.”

“De fato.” Concordou

“Então está feito. O preço é sua vida. Você pode entrar, olhar o seu relógio. Quando tiver sua resposta, será o fim”

Tic tac (tic)

Tic tac (tac)

Entrou no primeiro cômodo e ouviu os vários relógios que batiam, de vários tamanhos, uns mais rápidos, outros mais lentos, uns nas paredes, outros sobre os cômodos, mas assim que entrou soube o que queria. Um pequeno relógio de bolso descansava sobre o criado mudo, ao lado do abajur.

Caminhou até ele.

Viu um rapaz que lia preguiçosamente sentado no sofá.

Pegou o relógio fechado e observou ele por um momento.

O senhor estava atrás dele:

“O relógio tem várias marcações, um para cada ano da sua vida, e assim os ponteiros correm para fazer a volta até o topo. Quando chegarem lá é o momento e eles param.”

“Estarão lá”, disse o rapaz. “Estão descansando lá há cinco anos”.

“Assim que o abrir e olhar os ponteiros, sua vida vai se esvair em poucos segundos”.

“Não faz diferença”, respondeu. “Preciso ter certeza e depois, posso descansar”.

Respirou fundo.

Abriu o relógio e olhou os ponteiros.

Arregalou os olhos.

Levantou o rosto e suspirou em surpresa

O rapaz no sofá tirou os olhos do livro e olhou para ele

Seus olhares se cruzaram

Tic tac tic tac

Fez o relógio

E parou.