De grão em grão [92]
Para onde é que foram as minhas palavras? Eu era cheio delas! Não no sentido de “estar cheio delas”, cansado, mas eu as tinha “completamente”, elas me preenchiam e me completavam. Será agora que estou pela metade? Faltando um pedaço? A dúvida é a prova da falta.
Antes eu escrevia tanto... (quem fala muito é “falante”; quem escreve muito é “escrevente”?). Não que fossem coisas úteis. Mas eram algo. As palavras fluíam, saíam sem querem. Como disse meu amigo psicólogo, fazem “download sem clicar em nada”.
Agora cessaram. Ficaram tímidas? Secaram? Cansaram? Estão de mal de mim? Coitado de mim... não posso viver sem palavras. Não quero ser um apalavrado apalermado.
Será por falta de cutucão, de estímulo? Falta da matéria-prima (leitura)? Vai saber... ou talvez nunca se saiba. Só espero que voltem. Sinto-me só sem palavras. Silêncio e escuridão total. Palavras dão brilho, são música, vida, alegria.
As palavras me fazem companhia. Escrevi até um livro assim: “Cem dias sem solidão”, porque neste período, elas não me abandonaram.
Acho que acabo de descobrir. É recíproco. Para que me acompanhem, eu preciso fazer-lhes mais companhia.