O Prazer É Todo Deles
Enquanto aprendia a acariciar os animais do quintal abandonado, pensava em sua caligrafia imperfeita e em possibilidades de melhora, afinal, queria ir além do que já tinha sido alcançado. Sentia-se extremamente superior ao outros mortais, não queria conviver com eles, aprender o obvio e transpirar frustrações de terceiro mundo. Segurava o cigarro entre os dedos e tragava forte em cada pensamento ansioso que teimava em aparecer nas horas de paz.
O medo vencia todas as frestas de esperança, enquanto olhava-se no reflexo da água e tocava os seios murchos, indagando o perecer da pele escura, o desvio comportamental e a escravidão social que se submetia todos os dias.
Sabia mais que eles, mas tinha menos valor.
Sabia mais que ontem, mas o calendário era outro,
Sabia tanto, ao ponto de não saber coisa alguma.
As horas repetiam-se todos os dias, como ainda é hoje. Mas o coração novo tinha espasmos e câimbras tecnológicas. O Sistema era incompleto, insatisfatório, assim como os pedaços de alma que habitavam aquele ser supostamente opaco e inútil. Sentia-se inútil, assim como nós. Sentia-se um extrato natural preso em caixinhas industrializadas e cheias de etiquetas comportamentais. Quando vomitava, era Deus saindo. Quando engolia: ração abortífera.
Maria Alice, nome artístico de Natalícia. O seu trabalho? Não nos interessa. Ofício é figuração em um emaranhado de vidas.
Eu gostava de sua voz, ela apreciava suas pernas. Os homens também gostavam daquelas pernas; grossas, bem-aventuradas e irresistíveis. Não era difícil encontrar quem pagasse muito bem apenas para passar algum tempo com elas.
Mas nada daquilo importava. Nada era dela. O prazer sempre foi dos outros.