De grão em grão [89]
MONOTONIA
O Rubem Alves escreve o que eu penso. Justa e exatamente como eu gostaria de dizer ou escrever. Quando leio, até penso: “como ele escreveu isso na minha frente?”. Pretensão a minha, né?! É que leio do jeitinho mesmo que eu teria me expressado se tivesse a capacidade dele.
Claro que ele também diz coisas que eu penso diferente. Natural. Com todos os escritores deve acontecer isso. A gente lê e pensa: “é mesmo, isso é verdade.” E em outro trecho: “bem, eu não acho que seja assim.” Mas me espanto muito com as coisas que ele diz que coincidem exatamente com o que eu acredito. E acontece de até ler por ocasião do que estou vivendo no momento.
Esses dias mesmos, com tanta correria e mudanças, senti saudade dos dias de rotina. Dias em que sei como será, sem surpresas, preocupações ou tensões exageradas. Gosto de cumprir um roteiro que eu mesmo compus.
Aí li em "O sapo que queria ser príncipe": “A monotonia diz que tudo está em paz. A monotonia é tranquilizante.” Justamente o que pensava e o que eu ainda quero nesses dias de sufoco.
Entretanto, sei perfeitamente que a monotonia também cansa, enjoa. Dá vontade de coisa nova, de movimento, de adrenalina. De surpresas, de emoções, de sair da rota prevista. Tudo diferente de antes. Prova que a gente nunca está feliz.
Ou talvez ensine que a felicidade encontre-se justamente nisso, em saber viver bem tanto os dias de tranquilidade como os de agitação. É ter a consciência que tudo muda, nada permanece do jeito que está para sempre, embora a nossa ansiedade insista em nos fazer sentir o contrário. Já bem dizia Shakyamuni há cerca de três milênios: “Tudo é mutável, nada é constante.”