Fabulas Esmeraldinas #001: DE QUEM É A CULPA
Episódio: O ANTROPANTOIDE
Ficção
Nasce o Rio Pindora, ao sopé da Chapada Paradiso, puro, vivo e cristalino.
Dá gosto de se abaixar às suas margens e sorver o líquido vital. Ah! Nada melhor! Nada igual!
Suas margens ladeadas por frondosos e altíssimos baobás imprime uma visão inesquecível. As copas das árvores que o margeiam refletem em reverso nas águas tranquilas do fluvial manancial, dando a impressão de que estamos no Paraíso. Esta é a provável a razão do lírico nome do lugarejo. Uma barragem de troncos de árvores, provavelmente construída por castores, aumentam a beleza daquele bucólico sítio. Grandes ilhas de águas-pés flutuam ao sabor dos ventos. Em seu trajeto, absorvem nos bulbos de suas raízes substâncias tóxicas, garantindo assim a potabilidade e pureza de seu precioso fluido.
Nativos, vestidos de suas próprias peles brincam e nadam num folguedo salutar para espantar o calor. Curioso, não obstante sua nudez, nem um sinal de sensualidade, uns repeitando os outros. Descendo a jusante daquela barragem, Pindora flui alegre e lúdico, ricocheteando nas rochas às margens do seu íngreme e sinuoso leito. Aproxima-se de um penhasco e, ao bater em duas penhas pontiagudas, se divide em quatro braços. Um segue para o Norte e os outros para o Sul, Leste e Oeste. O braço que segue para o Sul se converte em seis distintas corredeiras a se unir a 200 Km encosta abaixo, voltando agora ao curso solitário.
_ Opa! Coisa estranha! Uma vasta clareira em milhares de milhares de hectares totalmente devastada! Assim não dá! _ pensa Pindora, com suas marolas. _ Não posso fazer milagre! Se os homens não fazem sua parte, como revitalizar esse deserto se não preservam o meio onde vive? Do jeito que a coisa está, quem vai secar logo, logo sou eu! Mamãe Natura! Que gente mais insensata!
Quanto mais o rio desce, mais estreito se torna seu leito e ainda mais seca a paisagem. É uma situação calamitosa. Em vez de frondosas e viçosas árvores às suas margens, cadáveres e mais cadáveres de animais confirmando a desertificação implacável. Inúmeras cruzes, às margens do curso, denunciam que humanos sucumbiram ante a desertificação que eles próprios promoveram. Não deram ouvidos aos clamores dos ambientalistas que prenunciaram a crise que ora enfrentamos, caso não parassem e tomassem medidas preventivas. Os dirigentes empolgados com o lucro fácil e ganância pelo vil metal, de surdo se fazem. Preferem tomar medidas corretivas ou paliativas do que prevenir, podem ser tocadas sem prévia concorrência pública.
Mais abaixo, numa determinada parte do leito, antes de novecentos metros de largura, agora com míseros quinze metros, uma anta e alguns peixinhos que, em piracema, tenta alcançar as nascentes de Pindora, travam-se acirrada discussão, Donán Tapíru Zeugma e Surubim das Margens Pacíficas:
_ Por que você vive a nadar nesse rio pra lá e pra cá a poluir as águas, precioso líquido nosso de cada dia?
_ Quem, eu, Donân Tapíru? Jamais! Sendo eu peixe não escamado, de esqueleto sem espinhas, certamente essa pecha não me cabe. Sou da família dos responsáveis pela limpeza da cama do rio como os carás, tilápias e outros. Com muito orgulho, somos os lixeiros dos rios, dos dejetos naturais que ali se depositam. Essa carapuça não me cabe!
_ Ora, ora! Mas menino! Dando uma de intelectual (muxoxo)! Não estou dizendo! Claro que são vocês, pois sobem anualmente para as cabeceiras dos rios para lá desovar. Daí poluem nossos rios. Se não vocês, foram seus antepassados ou aqueles aborígenes que vivem lá nas nascentes.
_ Ah, Donén Tapíru! Mas que sem noção!
_ Alto lá! Não erre meu nome!
_ Desculpa, ai! Como poderia eu, Donán Tapíru, poluir seu rio se estou a nadar numa parte mais abaixo do trecho que diz ser seu? Total contrassenso! Águas obedecem a gravidade. Só descem, jamais sobem. Nem nós nem nossos antepassados. Muito menos os nativos lá do alto. Mas Vossa Tapirência e seus camaradas, esses sim, são os causadores desse caos que se instalou. Olhe ao redor. O que se vê? Só devastação. E quem fez isso? Sua turma. Que são os responsáveis? Você e sua laia. Os rios estão morrendo e secando devido tanto efluentes químicos e residenciais que vocês despejam sem o mínimo escrúpulo, além do desmatamento desenfreado que vocês deveriam evitar.
_ Foram vocês e ponto final! Não me venha com essa de ambientalista que vai já, já ser meu prato principal!
_ Pirou de vez? Vocês são vegetarianos! Não comem nem carne nem peixe. Qual é!
_ Quem pirou foi você, Surubim! Com a morte das vegetações, pra não morrermos, nos tornamos carnívoros. E a culpa é de vocês e dos seus antepassados. Vocês são os verdadeiros culpados dessa desertificação e pela falta d'água etc. Etc. Não estou dizendo!
_ Senhora! Não ponham nos outros a culpa que é exclusivamente sua! Isso se chama improbidade, irresponsabil... _ Zás! Tõiõiõiõ....!
Um arpão atravessa as guelras de Surubim. Sangrando e a bater calda e nadadeiras, boia de lado, tingindo as águas de carmesim. Donân, convicta que fizera um grande ato, sai feliz da vida, tal porta-estandarte, peixe na ponta do arpão qual troféu por mais um desastroso feito.
_ Ora bolas! A culpa é minha! Minha uma ova! A culpa é de... É, é, é! De quem mesmo! 'Xa pra lá! Boto em quem quiser! Eles sempre acreditam no que digo!...
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“Um dia a casa cai e a música não toca!” DP.