De grão em grão [84]

INFERNOS

Com tamanha admiração que tenho pela obra de Dante Alighieri, fui atraído pelo “Inferno” do escritor contemporâneo Dan Brown. Mordi sua isca. Ele é famoso, principalmente pelo seu outro livro “O código Da Vinci”, que já virou filme.

Cheinho de mistérios e com pinceladas de cultura italiana, o autor se utiliza do atrativo de A Divina Comédia de Dante para construir o seu Inferno por meio de associações, enigmas, ficção científica. E nos prende na tocaia da curiosidade até o final.

Gostei do livro. Recomendo. Porém, não matei a sede pela qual fui ávido ao pote: queria mais de Dante. Talvez tenha sido proposital. Autores são gente perigosa e traiçoeira.

Um outro lugar contemporâneo cheio de pecados que não resisti à provação foi “O Inferno de Gabriel”, de Sylvain Reynard. Gabriel – nome de anjo, corpo de pecador.

Mais uma isca mordida, porém desta vez vacinado. Não busquei Dante, mas o que é que se falaria sobre ele. E encontrei uma estória de sensualidade misturada com intelectualidade em um ambiente universitário. Que armadilha mais fatal?!

Gostei de algumas definições, como: “fazer amor é um ato de veneração”, “é o mais intenso de todos os prazeres, pois o contexto lhe dá a liberdade e a permissão de explorar seus próprios desejos em todas as suas formas, quer eles sejam ávidos e vorazes, quer serenos e delicados. A questão é que a base que sustenta esse ato é o mútuo respeito e a generosidade e não tomar nada à força ou usar ninguém.”

E tem algumas partes profundas também: “O sexo é adequadamente entendido como uma experiência não só física como espiritual: uma união arrebatadora de dois corpos e duas almas, que seria como a alegria e o êxtase da união com o Divino no Paraíso. Dois corpos unidos pelo prazer. Duas almas unidas pela conexão entre seus corpos e pela entrega sincera, passional, altruísta de todo o seu ser.”

Veja agora esta explicação: “A luxúria é forte o suficiente para distrair a mente, reino da razão, e levá-la a se concentrar em questões terrenas, carnais, em vez de contemplar questões celestiais. (...) Em contraste com a luxúria, que é um pecado capital, há o amor. Santo Tomás de Aquino afirma que um amante se relaciona com o amado como se este fosse parte de si mesmo.”

Convincente (para não dizer estimulante). É parte de uma palestra proferida pelo professor Gabriel no livro. Ele continua:

“As alegrias e a beleza da intimidade sexual, expressadas no ato unificador do sexo, são o fruto natural do amor. Nesse caso, como deve estar claro, o sexo não se iguala à luxúria. Daí a distinção moderna no discurso contemporâneo entre, se perdoam a vulgaridade, trepar e fazer amor. Mas o sexo também não é idêntico ao amor, como demonstra a tradição do amor cortês. É possível amar uma amiga de forma inocente e passional, sem ter relações sexuais com ela. No Paraíso de Dante, a luxúria é transformada em caridade, a manifestação mais pura e genuína de amor. No Paraíso, a alma se liberta de qualquer anseio, pois todos os seus desejos são satisfeitos, e ela se enche de alegria. Já não sente culpa de seus pecados anteriores, mas goza de total liberdade e contentamento.”

Imagino os expectadores desta palestra... pernas se cruzando, mãos geladas e suadas, corações pulsando na garganta, olhares ávidos... mas tudo isso numa tentativa vã de disfarce.

E por falar em clímax, chego finalmente a este trecho:

“O momento do orgasmo é a antecipação de um prazer absolutamente transcendental, sincero e arrebatador. O tipo de prazer em que todos os anseios e desejos mais profundos de um indivíduo são satisfeitos de forma avassaladora. (...) A ideia de um orgasmo simultâneo, do êxtase de um parceiro se confundindo com o do outro, ressalta a intimidade compartilhada da união física, e espiritual. Ofegar, se contorcer, tocar, desejar e por fim, gloriosamente, gozar.”

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 24/02/2015
Reeditado em 24/02/2015
Código do texto: T5148487
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