De grão em grão [80]
“O Inconsciente põe uma coisa no lugar de outra.
Dessa forma, ele diz a verdade mentindo.”
(Rubem Alves)
Ler faz um bem danado à minha alma. Mas preciso estar bem para ler bem. Ler correndo, pensando em um turbilhão de preocupações, mil coisas a serem feitas, compromissos me esperando – não provoca o mesmo benefício, nem dá o mesmo prazer. Como então ler para ficar bem se preciso estar bem para ler?
Lendo, ideias saltitam na minha cabeça e obrigam minhas mãos escrevê-las (manuscrevo só com uma mão, mas no computador, com duas). Este processo de produção – leitura como matéria-prima à transformação sofrida pelo pensamento e as novas palavras como produto – me realiza, conferem maior sentido à minha existência.
Meu dilema é portanto filosófico: escrevo, logo existo. A negativa será também verdadeira?
Não há outro autor com maior poder de cutucar o escritor dentro de mim, muitas vezes adormecido, do que o Rubem Alves. Mais do que despertá-lo, Rubem Alves o torna exultante, incontido, incontrolável.
Não leio livros, eu os disseco. Leio, releio, paro, penso, digiro. Grifo, marco, anoto, transcrevo, dobro orelha. Utilizo citações. Guardo lições. Quanto mais rico o conteúdo, mais marcas deixam em mim e deixo neles. Conteúdos superficiais permitem leituras fugazes.