FREUD E A POESIA II

Luciana Carrero

A razão e a emoção do homem vêm da energia propulsora de um coração que pulsa; e vão ser guardadas num cérebro, que, quando termina, tudo se perde. Sem este motor e sem fluxo sanguíneo, não se encontrará nada num cérebro que já estará morto. Só ficam os escritos, no caso do poeta e, o que foi gravado, no caso da voz, e do cantar; nas outras artes, seus objetos inanimados, nos registros do mundo.

A verdadeira Poesia nasce das experiências do ser vivo, a partir do intelecto, que é cerebral e não espiritual. O homem vibra e traz a melodia, a cadência, o ritmo, porque no universo tudo que pulsa tem vida e toda a energia e agitação do homem vem do pulsar universal.

Mas Se falarmos de Poesia, se a alma falasse, diria: “me deixem fora disso, porque poesia é coisa da matéria insatisfeita e/ou empolgada pelo mistério de ser.”

Temos de admitir que nasce da pulsação, que é do universo e do homem em sua criação. Um morto não compõe poesia, porque o morto é espoliado de sua natureza criadora, pela falta do elemento humano. Almas não compõem. Psicografia é balela de cultores estudiosos e profundamente conhecedores dos seus mestres, a ponto de falarem ou escreverem como se fossem ele depois de morto.

Freud era impotente ante o poeta, primeiro porque não era um poeta e não entendia que a poesia vem do ser vivo, que é matéria; segundo porque procurava a poesia, como se procura Deus, sem jamais encontrá-lo, num suposto espírito imemoriado. O espírito é só energia, que entra pelo pulmão, “Pneuma”, que se traduziu por alma, ao correr do tempo. Este foi o equívoco de Freud: explicar o poeta pelo suposto espírito e não pela matéria; isto tudo agregado ao seu desejo de criar patologias.

Ele dizia e escreveu: “Seja onde eu for, um poeta já esteve lá.” Esteve, sim, na ideia, mas na forma de carne e osso que pensam com o cérebro. Não necessariamente numa alma inspirada ou numa patologia criada.

Desnecessário e improdutivo procurar explicações, a inventar alteregos, que são nada mais que projeções criativas do ser vivo, raciocinando de modos ou formas diferentes e certamente cerebrais, em diversos estágios do corpo em relação ao meio-ambiente e ao status-quo onde habita e colhe impressões.

Neste estágio pode até existir o sub-consciente, o inconsciente, ou o que for, mas é tudo parte do corpo terreno, de ossos, carne, sangue, sentidos e memória.

Alma não têm memória, nem criatividade. Estas são peculiaridades humanas: conter uma energia que respira ou aspira (pneuma); uma estrutura que se manifesta, o corpo; outra que é combustível, o sangue.

Para que uma alma precisaria de um corpo, se ela tivesse a propriedade de manifestar-se sem ele?

Freud está ultrapassado, para os tempos atuais. Seu discípulo e suposto continuador de sua obra, já o contestava, à sua época; e afastou-se do mestre. Entretanto, prosseguem surgindo discípulos do psicanalista, no mundo atual, seja para mostrar erudição ou para não terem o trabalho de pensar no novo.

Alguém disse, e já não importa quem, que somos cada vez mais governados pelos mortos. Isto eu não serei e já deixei Freud nas cinzas do passado, há muito tempo.

O verdadeiro pai da psicanálise é o poeta, analista de si próprio e do mundo, sempre numa posição de vanguarda ante a ciência, no mundo do ser, enquanto a morte não o condena a parar de pensar. As patologias de Freud não respondem mais aos anseios da ciência e, no meu conceito, não têm a capacidade para analisar um poeta. Porque Freud não está presente no contexto hodierno.

Até leis da física mudam, hoje em dia. Por que Freud permaneceria, sem intelecto atualizado e vivencial no mundo atual? Pode até ser uma referência, mas entre esta e a atualidade, há um abismo. Não é salutar acreditar que tudo, em psicanálise, se reduz a Freud; ou que manobrar para colocar explicações freudianas em novas realidades, é bater numa tecla de samba duma nota só. É como acreditar nas previsões de Nostradamus, que para tudo servem, até para dizer que um pobre mendigo morreu na esquina da rua X com a Rua Y, numa vila qualquer; e que Nostradamus previu, nas suas manipuláveis centúrias.

É só ter imaginação e preguiça de olhar o presente e o futuro com outros olhos, para estagnar no passado, para que ocorram estes academicismos freudianos a explicarem o homem e as artes dum tempo que ele jamais conheceu.