A DOENÇA DO TOQUE NA CONSTRUÇÃO DO POEMA
Luciana Carrero
Já disse alguém, em tempos remotos, que um poema precisa de nove anos de maturação, para ficar pronto; e suas palavras fazem eco, até hoje, porque ele era um filósofo. Um escritor moderno escreveu o livro "Onze Minutos", que, ao seu ver, é o tempo certo para uma relação sexual. Não levemos a sério estas matemáticas subjetivas. Cada um tem seu tempo, na vida e na poesia. Se eu esperar nove anos para "montar um poema", então que poema é este? Perde a atualidade, a espontaneidade, o momento histórico. Se eu contar onze minutos para uma relação sexual, que droga! Um bom sexo pode durar horas. Um poema é um poema, brota da alma; há mais o trabalho intelectual, mais a auto-regulamentação do poeta, ou do crítico e, já, estas tres posições de que falei, são as que interferem no poema e na sua criação, numa espécie de censura. Um escritor precisa ter coragem. Você tem a sua? Ninguém é poeta o tempo todo, sempre digo e repito. Na construção do poema, não há de seguirem-se regras e, sim, sentires. Tem que ser natural, espontâneo, sem premeditação. Cai sempre a mensagem, de forma diferenciada, na percepção do "interlocutor", digamos assim, embora eu não concorde, plenamente na, por alguns propalada, interlocução do leitor; porque o poeta ou escritor é um reino. E, o leitor, um súdito. Mas quem está na espreita, principalmente se professa e está atento, preparado, quer fazer escola, criar fileiras, então, sim, é o interlocutor, que comumente denominamos crítico. Porque o leitor é passivo e não se equiparará nunca ao escritor nem ao crítico. Quando muito o leitor pode ter uma reação e isto não o coloca no patamar de quem produz. Eu digo do meu jeito, às vezes áspero e triste; outras, provocativo; sereno; cheio de amor; satírico, etecéteras mil. E não escrevo para agradar a ninguém. Sou nua e crua. Entendam como quiserem ou puderem.Trabalhar demais o poema assemelha-se a um "toque", no sentido psíquico; na linguagem da medicina. Minha mãe era de poucas letras, mas tinha dons inspirados para outros místeres e citava muitos ditados, que, depois, percebi estarem todos no livro Don Quixote, de Miguel de Cervantes. Mas não era uma interlocutora.
A mãe dizia: "O Diabo tanto arruma os olhos do filho, que acaba entortando". Cabe a frase, e muito bem, aqui no contexto. Costumo compor o poema como vem; faço alguns pequenos ajustes estéticos e isto é só. Quando acho um poema, é para já. Se seu poema é bom, faça como Deus, na célebre frase bíblica, quando criou o mundo e "viu que era bom". Ou como Michelângelo, que, ao concluir a estátua, bateu nela com o cinzel e disse: Agora fale! Mas para isso é necessário, ao escritor, ser auto-crítico. Não se preocupe com gerúndios ou se cristalizar-se pode o amor! Tudo pode, em poesia, não só pela chamada licença poética, mas também pelo respeito à individualidade do autor e ao mistério da Poesia, quando a há no poema. Um saudoso mestre tinha este toque de rezar missa na igreja de outro padre. Muito o respeitei e aprendi com ele. Mas nunca deixei de ser eu. Imaginem só, se este tivesse conseguido criar mil zeferinetos! Cruz credo, que horror! Este citado senhor foi um bom poeta, mas também não precisava querer criar uma legião. Por certo se tornaria indigesto o seu estilo, perante os leitores. E ele ficaria diminuido em sua esmerada criação, pela proliferação de discípulos. Um poema é sempre uma surpresa e não uma marcha enfadonha de soldadinhos do passo certo. Só houve um Fernando Pessoa. Só houve um Mário Quintana. Só há uma "eu mesma", e se eu não existisse, não existiria minha poesia. Por isso não me miro nos outros. O mundo só existe porque eu existo! Espero ter ajudado. Abraços e beijos, queridos. PS: se houver necessidade de lavar poemas, lavem em off, no chat, no bate-papo, no e-mail. Não se diminuam ante o leitor, a fim de não perderem a respeitabilidade. Escrevi este texto institucionalmente. Qualquer semelhança com fatos ocorridos é mera coincidência.