Os feitiços do bairro
Jamais pude sair, livremente, para perambular no bairro. Em criança minha mãe não deixava vagabundear nem sair desacompanhada. Em adulto a “falta de atrativos” do bairro, as ocupações, o medo da violência, também, não me deixam sair perambulando, mas, com tudo isso, do bairro não escapo.
Quando sob o mote da ocupação saio do portão para a rua, basta está um pouquinho sem pressa e, o bairro me agarra com seu feitiço andarilho: as pernas andam mais vagarosamente, os olhos correm ao redor, o corpo se energiza e a mente vagueia...
Nesta vaguidão do eu vejo-vivo as pessoas apressadas passando ou paradas nas esquinas das ruas e nas portas das casas.
Nos poucos espaços vazios meninos soltando pipas e eu passo a soltá-las com eles. Outros tantos brigam por uma pipa estancada. É burburinho, tapas, tabefes... Sofro a ânsia deles.
Se for manhã de sábado o movimento muda: há gente varrendo a frente das casas, outras capinando as ervas que nascem à beira do meio fio.
Outras ainda, com suas roupas leves e de final de semana, passam indo sem a pressão semanal do tempo.
O movimento dolente e alegre é o marcante das manhãs de sábado.
As calçadas estão mais limpas, as pessoas não estão somente paradas e sem a pressa de ir trabalhar ou resolver seus negocias de sobrevivência, elas estão mais informais e relaxadas, conversando umas com as outras e vestidas com suas curtas e largas bermudas ou vestidos de culto.
O assossegamento dos espaços varridos e da proteção dos vizinhos nos portões, das manhãs de sábados dá às meninas a segurança de armarem suas bonecas na rua e, na brincadeira liberarem a fantasia.
Vendo-as fantasiar eu fantasio com elas. Vou e volto a minha infância, Torno-me menina novamente.
No bairro que é fustigação e frescor, andando sem pressa vou sentindo misturas de encantos que libertam da minha mente a imaginação que voa, voa..., e, eu volto a esquecer as pressões da ligeireza cotidiana, o medo da violência... Enquanto nas manhãs de sábado caminho no bairro, tudo vai embora e, por instantes, me liberto para ser, integralmente, eu mesma.