De grão em grão [78]
Quando a gente conhece alguém que fala várias línguas, logo pensamos: “que pessoa culta!” Mas a quantidade de línguas que se sabe não define o grau de cultura ou conhecimento.
Além disso, em se tratando de um mesmo idioma, tem muita gente que sabe usar habilmente duas línguas distintas: a falada, coloquial, desregrada, flexível e rapidamente mutável; e a escrita, com menor ou maior grau de formalidade.
Tem gente também que troca os canais: escreve, ou melhor, tecla tal como fala, abreviando, onomatopeiando, criando. E é bem compreendido. Existe a comunicação. Do lado oposto, há pessoas tão formais que falam usando a norma culta a rigor. E com isso, acabam não sendo entendido por todos.
Os cultos quase que usam a mesma língua ao falar e escrever. Já outras gentes sabem bem comunicar-se conforme a plateia e o canal. Conhecem as normas gramaticais mas, em nome da intimidade e humildade, na língua falada até cometem alguns erros propositais. Sentem que se falarem exatamente como escreveriam, seriam taxados de metidos, exibidos. Então, como vemos, os ditos cultos usam uma única língua para tudo e as pessoas simples usam duas, não necessariamente indicando que quem usa mais sabe mais.
A verdade é que a língua portuguesa é uma das mais difíceis do mundo. Plurais, diferentes formas e tempos verbais, diversos sinônimos com sutis diferenças de significado, feminino, aumentativo, superlativo, coletivo – variações inexistentes em muitos idiomas.
Defendo que a língua deve servir para comunicar e não para se exibir. É difícil encontrar um nativo da língua portuguesa que saiba todas as normas gramaticais e que as use a risca. Mas isso não impede que toda a população, numa riqueza inestimável de termos regionais e temporais, falem, transmitam, conversem, se divirtam, sejam felizes conjuntamente, usando bem suas línguas.