Recordações.
Recordações.
Henrique estava confortavelmente instalado em uma rede, entre dois pés de laranjas, plantados em frente de sua casa. Não era de beber. Porém, resolveu tomar um copo de vinho. Bebia pouco. Socialmente como as pessoas costumam dizer. Tinha horror à embriaguez. Era sujeito trabalhador e sensato.
Enquanto bebia ouvia músicas românticas do Roberto Carlos e isto tornava o ambiente melancólico.
Refletia sobre os últimos acontecimentos no trabalho e na faculdade. Na verdade tentava refletir sobre estes assuntos porque a mulher amada ocupava-lhe o pensamento. Por mais que tentasse ocupar o pensar de outro assunto, Rosana fazia-se presente em sua mente. Desistiu de tentar evitar aquele pensamento e se entregou as lembranças que a mulher amada evocava.
Um filme passou em sua mente. Lembrou-se da época em que conheceu Rosana. Era um período em que andava solitário. Um dia, na saída da faculdade alguns colegas o convidaram para ir a um barzinho. Foram. Bebeu moderadamente enquanto os amigos boêmios entregavam-se a bebedeira. Um dos amigos sugeriu que fossem até uma boate para beber com algumas mulheres bonitas e liberais. A princípio negou-se a ir, porém, como a insistência dos amigos era grande acabou cedendo.
Sim, pensava, foi naquele dia que conheceu Rosana. Recordou que ao entrar na boate seus olhos cruzaram com o olhar daquela morena bela. Sentiu um frio na barriga e seus olhos brilharam. Percebeu que o mesmo fato acontecera para a mulher que ao olhá-lo ficou, por um instante, acanhada. Mas o acanhamento sumiu e entregaram-se a agradável conversa.
Ficou feliz ao perceber como a morena era cobiçada por outros homens e, como dispensava os demais homens para permanecer em sua companhia. Pediu ao garçom duas doses de uísque. Enquanto bebiam a conversa animava-se. A morena chegou mais perto e encostou seu corpo ao de Henrique. Abraçaram-se, beijaram-se e a temperatura esquentou. Subiram ao quarto.
Sozinhos entre quatro paredes a criatividade falou mais alto. Rosana mostrou seus conhecimentos na arte sexual e deixou Henrique completamente doido. Aquilo parecia não ter mais fim. Totalmente entregues ao prazer. Terminavam uma relação e já iniciavam outra. Somente saíram do quarto quando a campainha tocou indicando que o tempo havia acabado. Aproveitaram o banho para dar a saideira.
Henrique foi para casa, mas a mulher não lhe saia do pensamento. Gostou tanto da morena que passou a frequentar a boate regularmente. Rosana quando via Henrique chegar dispensava os outros homens para dedicar-se somente ao seu predileto. Algumas vezes, o rapaz estava sem dinheiro, ela nem cobrava o programa. Gostava de transar com aquele sujeito que mexia com seus sentimentos e a cobria de prazer. O casal percebia que algo estava acontecendo com eles, a saber, que estavam gostando um do outro, ou seja, estavam amando.
A situação estava se tornando insuportável e belo dia Henrique convidou a mulher para ir morar com ele. Para sua surpresa, ela aceitou. Acrescentou que há tempos esperava aquele convite porque o amava. Disse ainda que largaria a vida de prostituição, de bom grado, para ser mulher somente de Henrique.
A adaptação à vida conjugal foi mais fácil do que pensavam. O rapaz saia para trabalhar, após longa noite de amor, e quando retornava encontrava a companheira esperando-o. A casa sempre belamente arrumada. Os dias eram felizes para ambos. Não havia contrariedades, ao contrário, o rapaz disse que tinha vontade de ser pai e a mulher concordou. Considerou que haveriam de esperar mais um tempo, mas não havia dúvidas que teriam filhos.
Henrique contou aos amigos a novidade. Estava feliz com a mulher que abandonara a vida fácil para ser sua companheira. Disse que pretendia ser pai. Os amigos o felicitaram, mas o rapaz percebeu uma inquietação na face dos amigos. Não deu atenção ao fato. Pensou que o receio dos amigos era em razão do passado de Rosana. Isto não o preocupava, pensava, o que passou, passou.
Certo dia, enquanto esperava o ônibus um dos amigos, que morava próximo a sua casa, chegou ao ponto de ônibus. Cumprimentou-o e disse que não iria pegar o ônibus, mas por ser amigo precisava-lhe contar algo. Henrique disse-lhe que falasse. Disse o amigo que todo dia quando Henrique saia para trabalhar, após algum tempo a companheira dele também saía para a rua. O amigo acrescentou que não podia deixar de contar-lhe este fato e, enquanto falava foi andando e sumiu na primeira rua que encontrou.
Dentro do ônibus, Henrique não acreditava no que havia escutado. Mas o grilo falante estava lá para questionar. Será verdade? Não. Não pode ser verdade porque neste caso Rosana falaria, e, igualmente, ele perceberia o enfado da mulher no relacionamento. Ela estava contente com a vida conjugal, e ele a deixava livre para ficar ou partir. Ela sempre ficou e ele acreditava no amor mútuo que sentiam. Suava frio e o sossego foi embora. Não poderia viver com aquela dúvida.
Resolveu não ir trabalhar. Desceu do ônibus em que estava, e subiu em um ônibus de outra linha que passava em frente à Boate. Embora estivesse inquieto, o grilo falante não o deixava em paz, tinha certeza de que não encontraria Rosana na Boate. Ela mesma lhe dissera várias vezes que por ter encontrado o amor, não queria saber mais da vida fácil. Recordava que a companheira sempre se mostrou leal. Mantinha a casa em ordem. Sempre cheirosa o esperando chegar. Não. O amigo deveria ter se enganado. Talvez estivesse interessado em Rosana e estava tentando lhe intrigar com a companheira.
Desceu do ônibus e dirigiu-se à Boate, certo de que não encontraria a companheira. A certeza era total. Confiava na mulher que havia posto dentro de sua casa. Não só na sua casa, na verdade Rosana havia entrado em sua vida. Chegou à boate e tocou a campainha. Um segurança abriu a porta para que Henrique pudesse entrar. Entrou e a primeira mulher que avistou sentada no sofá, era a “sua” querida Rosana.