De grão em grão [72]
Eu sinto uma tristeza lá no fundo do coração, que às vezes é disfarçada pelas tantas alegrias da vida. Essa espécie de melancolia antes me preocupava, me fazia pensar que eu era infeliz. Mas sentir tristeza é diferente de ser infeliz. Eu sou é muito feliz e grato pela vida.
Essa tal tristezinha é na verdade muito útil e criadora (ou criativa?), tão comum aos que se dedicam à arte da escrita. Sem essa dorzinha, eu não escreveria tanto.
É uma tristeza-palhaça, que me faz cosquinha por dentro e não pára até que, numa explosão (como um espirro), muitas palavras sejam expelidas para alívio imediato.
Este sentimento é de um deslocamento. Sinto-me deslocado dentro de mim mesmo, incomodado em muitos contextos sociais. Mas é porque muitas histórias e personagens vivem dentro de mim, se agitando para eu fazê-los sair.
Eles todos me importunam muito. Às vezes parecem fantasmas internos, outras me dão um prazer danado. Não consigo controlá-los, têm vida própria.
São justamente esses sentimentos todos, que soam negativos, que me movem, me fazem avançar, crescer, mudar, produzir, jamais acomodar-me. É uma inquietude dinâmica.