"SENTIMENTOS BRUTOS"

-Morreu.

-Mentira!

-Morreu sim. Têm meses.

(...)

Desespero atrasado,

inconveniente,

embaraçoso.

Saí de cabeça baixa.

Parecia ter feito algo errado.

Mas o errado era o tempo

que sofreu um recorte

e agora levava um remendo.

Decidi para onde deveria ir

e andei depressa.

(...)

Eu o-d-e-i-o este lugar.

Evito seu nome.

Cidade de caixotes.

Caixotes de restos.

Restos de gente.

É tanta morte que a vida ofende!

(...)

Achei.

Primeiro vi a cor,

depois vi o tamanho,

prestei atenção em todos os detalhes sórdidos

tentando evitar o retrato.

Então li o nome completo,

data de nascimento,

data de ...

e vi o retrato!

A realidade bateu em minha cara,

o cimento amparou meus golpes

e tudo o que pude fazer

foi quebrar os malditos vasos

com as malditas flores de plástico.

(...)

Sentei-me.

Olhei fixamente para o retrato

e falei baixinho:

"quis"

"amei"

"escondi"

"errei"

...

E foi um desfile de verbos

conjugados no passado.

Então elas finalmente vieram.

Torrenciais.

Quentes.

Cegaram-me.

Trouxeram de presente

o sentimento mais cruel:

arrependimento.

Palavra feia.

(...)

O tempo começou a virar.

(...)

Matei a morte que viveu em mim.

Sepultei o rascunho de uma história.

(...)

-Vai passar. Eu dou um jeito.

-Eu sempre dou um jeito.

Doloresnervosa
Enviado por Doloresnervosa em 13/09/2014
Código do texto: T4960185
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