De grão em grão [43]
Adoro um texto do Rubem Alves cujo raciocínio ele chama de “Filosofia do Gato”. Como muitas outras vezes, identifiquei-me, não apenas pela minha gata Melinha. Transcrevo-o:
Camus observou que o que caracteriza os seres humanos
é a sua recusa a ser o que são. Eles não estão felizes com
o que são. Querem ser outros, diferentes. Por isso somos
neuróticos, revolucionários e artistas. Do sentimento de
revolta surgem as criações que nos fazem grandes. Mas
nesse momento eu não quero ser grande. Quero
simplesmente ter a saúde de corpo e alma que tem o meu
gato. Ele está feliz com a sua condição de gato. Não pensa
em criações que o farão grande.
Deitado ao lado do aquecedor (que manhã mais fria!), ele
se entrega, sem pensar, às delícias do calor macio. Nesse
momento, ele é um monge budista: nenhum desejo o
perturba. Desejos são perturbações na tranquilidade da alma.
Ter um desejo é estar infeliz: falta-me alguma coisa, por isso
desejo... Mas para o meu gato nada falta. Ele é um ser
completo. Por isso ele pode se entregar ao calor do momento
presente sem desejar nada. E esse “entregar-se ao
momento presente sem desejar nada” tem o nome de
preguiça. Preguiça é a virtude dos seres que estão em paz
com a vida.
(Rubem Alves, in “Do universo à Jabuticaba”, p. 80.)
Tão rico de reflexões que não me atrevo a perturbar as suas próprias conclusões.