De grão em grão [20]
Não consigo falar de cartas sem me lembrar do texto sobre “cartas de amor”, do Rubem Alves, publicado no seu livro “Retratos de amor”. Novamente, sinto muita pena por haver hoje apenas “e-mails de amor”, “torpedos carinhosos”, postagens, fotos... nada manuscrito.
Rubem Alves diz que o que as cartas realmente querem realizar é “aquilo que a separação proíbe: o abraço”. E que “uma carta de amor é um papel que liga duas solidões.” Nasceu na solidão e deve ser lida em solidão.
É como se todo o seu conteúdo fosse: escrevo porque neste momento estou aqui sozinho e para que você também fique aí sozinha. Vai que por não ter a carta para ler e sobrar tempo, a amada vá fazer algo “acompanhada” lá longe do amado... O amor é assim egoísta mesmo.
Ele diz também que “um telefonema não é uma carta falada. Pois lhe falta o essencial: o silêncio da solidão, a calma da caneta pousada sobre a mesa que espera e escolhe pensamentos e palavras. O telefone põe a solidão a perder. Num telefonema a gente nunca diz aquilo que diria numa carta. (...) O telefone é impositivo. A conversa tem de acontecer naquele momento. Falta-lhe o ingrediente essencial da palavra que é dita sem esperar resposta. E, uma vez terminado, os dois amantes estão de mãos vazias.”
E mais: “O telefonema não pode esperar. A carta é paciente. Guarda as suas palavras. E, depois de lida, poderá ser relida. Ou simplesmente acariciada. Uma carta contra o rosto – poderá haver coisa mais terna? Uma carta é mais que uma mensagem. Mesmo antes de ser lida, ainda dentro do envelope fechado, tem a qualidade de um sacramento: presença sensível de uma felicidade invisível...”
Espera, deixa eu pegar a caneta e o papel aqui...