De grão em grão [19]
Acho uma pena termos perdido o hábito de escrevermos cartas à mão. Não apenas cartas, mas hoje redigimos muito pouco de próprio punho. Cartas manuscritas possuem um poder inimaginável.
Certa vez, há muitos e muitos anos, o buda Nichiren Daishonin recebeu uma carta da Sra. Konichi, comunicando que seu filho havia falecido. Nichiren prontamente lhe respondeu com palavras reconfortantes e encorajadoras.
Porém, antes de abrir a correspondência, Nichiren havia ficado muito feliz por receber uma carta de Konichi, que vivia em Awa, cidade onde ele nasceu. Só que quando a leu, seu sentimento mudou completamente, como ele próprio descreve: “Imagine, então, a incontida alegria que senti ao receber sua carta! Abri e li ansiosamente, mas então li que a senhora perdeu seu filho Yashiro no ano retrasado, no oitavo dia do sexto mês. Antes de abrir a carta sentia-me tão feliz, mas, ao ler a triste notícia, desejei não tê-la aberto com tanta pressa.” (Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin, v.1, p.691).
Foi por meio de cartas manuscritas que o buda Nichiren transmitia seus calorosos incentivos, suas conclusões filosóficas e até conselhos e advertências.
No livro “Nihonjin”, Oscar Nakasato conta que o personagem Hideo vivia no Brasil nos anos logo após a Segunda Guerra Mundial e soube do falecimento da sua mãe, que permanecera no Japão e a quem não via há muito tempo, por meio de uma carta. Naquela época, as correspondências internacionais levavam semanas para chegar ao seu destino.
Após ler o conteúdo, Hideo “dobrou a carta com cuidado e a devolveu ao envelope como se aquele gesto que invertia a ação pudesse fazê-lo voltar do avesso onde fora lançado.”
Esses são dois exemplos (japoneses, coincidentemente) de cartas muito doloridas. Claro que há aquelas com notícias maravilhosas, capazes de provocar grande alegria. Quaisquer que sejam, as cartas são muito poderosas, a ponto de fazerem seus destinatários, ainda que inconscientemente, quererem devolvê-las a seus remetentes na tentativa de voltar no tempo quando a notícia for triste, ou então fazê-los ler e reler infinitamente para repetir a alegria da informação.