Poesia... Desambiguação de conceitos
Luciana Carrero*
Escrever é resultado do filosofar, da ideia e não somente questão gramatical ou expressão em figuras de linguagem. É o que se diz, com o conhecimento que se tem, por questão de sobrevivência e relacionamento, comunicação com o meio. Não precisa necessariamente ter metáforas, etc. Porém, o como se diz, é arte. E aí entram as figuras e todo o aparato que dão a um ser humano o estofo de escritor.
A arte criadora exige inspiração. Aqui não estou abordando a literatura científica, embora esta também possa precisar de inspiração, em seu contexto motivacional. Escrever prosa ou poema, no seu nível ficcional, exige inspiração, conhecimento e filosofia. Quem não tem base filosófica, não tem nada a dizer, seja no âmbito que for.
Quem tempera a filosofia com Poesia, é um poemista. O poemista é, a rigor, um filósofo. Filosofia não é só racionalidade, e sim visão. Visão tem uma amplitude que convém a qualquer ambientação literária. O poema é ficção e aí reside sua personalidade. Pode também ser realidade enfeitada. Esta é a maior revelação. É discorrer utópico. Fantasia. Alegoria. Distopia. Distanciamento do real, literatura fantástica. Elaborado de forma agradável, melodiosa, rimada, ritmada. Chega a parecer canção, só faltando a maviosidade de notas musicais, ou nem tanto, já que desta (a canção) se aproxima, pela musicalidade das palavras. O poema escrito é o resultado do trabalho estético do poemista. Em princípio, era o externar da peça literária, a exemplo dos bardos, na sua expressão verbal, muitas vezes até acompanhada da sonoridade de um instrumento musical.
O poema escrito é a apresentação visual, comunicação efetivada para leitores. A mímica é um modo de apresentar o poema. O poema pode estar nas artes plásticas, pintura, escultura, arquitetura, até mesmo inserido no discurso lógico e ainda na pantomima. Embora inicialmente não haja um compromisso com a lógica, (o poema)pode servir para enfeitá-la. Usa-se muito na literatura jurídica, nas defesas, no convencimento que toca na alma e não no intelecto, na conquista do amor, a fim de obter aceitação de uma ideia, pelos interlocutores ou coadjuvantes que se procuram, a fim de amenizar uma situação, ganhar a simpatia, vencer uma demanda, com apelo sentimental, como maliciosamente juristas fazem com os jurados.
O “poeta” é um mentiroso, muito mais que o fingidor da visão de Fernando Pessoa. Isto porque “poetas” não existem. Já começa por aí. Existem os poemistas.
Para chegar-se à Poesia, o poemista vive a percorrer caminhos, tanto mais próximos quanto distantes, dependendo da percepção onde detenha-se para trabalhar, nos caminhos da mente, desde a visão imediata a partir de situação real, em ambiente racional, até à passagem para outras instâncias, rumo à profundidade da localização inspiracional. Encontra-se no id, no ego, no alter-ego, e em outras estações da alma, como a postura meditativa, a contemplação metafísica (no sentido lato, excluindo-se o fator estranho “religião”), mas sempre em busca do inusitado, do inesperado, sendo o rigor destas escolhas passível de ser melhor atingido, de acordo com a elaboração consciente do poemista. Por isso o tal conceito de transpiração, trabalho árduo, a parecer estafante, quando colocado como uma faina do poemista.
Quanto mais distante da inspiração genuina, mais o poemista se sente nas mãos desta condenação a remador nas galés da arte. Quanto mais afastado da visão mecanicista que rege o mundo formal, menos precisará fazer este trabalho pesado. Quanto mais se libertar dos ditames que explicam o mundo do homem expulso do paraíso, menor castigo sofrerá, ao buscar a sua arte.
A libertação é o transcendental, que elimina o desagradável e cansativo trabalho que faz transpirar. O mais compatível voo que dou ao meu raciocínio para entender o transpirar tão citado por articulistas, analistas da arte, certos críticos, e pelos próprios poemistas, só poderia ser admitido como um suador mental, ou uma metáfora para dizer “exalar poesia”. E não algo corpóreo como o trabalho de um estivador, homem que coqueava sacos de sessenta quilos nos cais dos portos; hoje (homens) substituidos pela máquina. Mas ninguém exala o que não tem na alma. Nem no braçal, nem ao recurso da máquina. Ninguém transmite sentimentos que não sente, por mais que se muna de metáforas. E não haveria “dito poeta” que o fosse o tempo todo. A rigor nem existe aquele que possa ser classificado de poeta. Esta designação (poeta) seria a grande mentira. A poesia não é do homem. Também não é da divindade. O poema, sim, este é obra humana. Mário Quintana e outros que o dissessem, nem tanto para os outros, já que a condição humana em sua vaidade, obstaria ou tenha (obstado) tal revelação; porém (tenham) assimilado, para consumo próprio, este segredo. O Mário também possuia suas vaidades, sendo uma delas o sarcasmo, e de delas se alimentava, como se alimentam todos os artistas.
O poema não é uma peça escrita inteira com cara de Poesia, o que o faria indigesto. Certamente deverá conter o elemento Poesia, em detalhes sobre uma casa alegórica (o poema) construída pelo seu arquiteto (escriba). Quando o nosso magistral escritor Mário Quintana, que se expressava pela arte do poema, falava: “Estes que estão aí, atravancando o meu caminho, eles passarão, eu passarinho.” estava dizendo isso: que era pequeno (tanto ele, como qualquer outro humano) para ter a pretensão de inserir-se nesta classificação universal de “poeta”, a despeito dos tais (passarões) que se diziam grandes e queriam abarcar para si a designação tão almejada, mas que a nenhum de nós é dada. Nunca foi e nunca será. Em vista disso, considero melhor classificar os ditos (todos nós que cultivamos o poema) “poetas” em poemistas, já que Poesia é ambiência universal que raramente atingimos e que não é da nossa lavra, sendo apenas essência rarefeita que colhemos para temperar nossa poemática, com maior ou menor intensidade. (*Produtora Cultural, reg. 3523, LIC/SEDAC/RS)