Literatura/Poesia e engajamento religioso
Luciana Carrero
Alguns escritores, em plena vigência literária secular, andam cortejando as teorias do catolicismo. É uma caminhada confortável, que muitos desejam percorrer. Porque acreditar numa mensagem crística, talvez os livre da angústia do fim e para ele (fim) os leve, embalados. E o escriba que não fizer isto, será que terá de dizer, em seus versos de arrependimento, na hora do desterro: "Oh, se me creste, gente ímpia, rasga meus versos, crê na eternidade!" ???, tal qual falou Bocage, no célebre soneto?
Alguém poderá considerar bem oportuna a presente reflexão. Até gostar de tomar ciência desta tirada espontânea, incomum... E mesmo agradecer-me por ela.
Mas é incomum, em termos de ideia, no contexto literário, esta preocupação em pensar e debater sobre engajamento literário à religião e seus dogmas, - Não para mim, que, do alto da minha exacerbada racionalidade, deva considerar e analisar a possibilidade de poder talvez vir a precisar(?) - de um recurso, como o de Bocage, para garantir a "sobrevivência" em outro plano, se vislumbrá-la (a sobrevivência), na hora da passagem, - se não como defesa própria, quem sabe por posicionamento crítico.
Incomum, como manifestação pública, sim, porque não gravito, como a maioria das pessoas em torno de policiar-me, para não declarar sentimentos tão íntimos e profundos; sobretudo, se mexem com dogmas alheios, a fim de não despertar descontentamento e/ou aversão. E isto faz-me lembrar a segurança de que o cantor, tão ao gosto das beatas, Roberto Carlos, muniu-se, ao abordar, muitas vezes, Jesus e Maria, na sua obra musical. Isto deu-lhe visto de permanência proveitosa na preferência de religiosos, mas será passaporte diplomático para o infinito do Deus Pai Todo Poderoso, se é que este domínio existe, na forma em que se apresenta, na mente dos doutrinados?
Ainda quanto às minhas tiradas incomuns, devem ser uma espécie de poesia límbica dos meus subterrâneos, se não forem inquietudes do já tão sofrido indagar sem respostas a que estou submetida; limbo onde a grande poesia cósmica não se encontra, mas se encontra a pessoalidade da efervescência, que a supre, para a minha lide. Talvez sejam a minha definição peremptória que relutam outros colegas a assumir. A ambiência literária dos meus pares, escritores e poetas, instiga-me, diuturnamente, a relembrar e depor sobre o pensamento que me acompanha, de longa data: Quem sabe, melhor seria se eu já tivesse uns versos de arrependimento para levar na manga da mortalha, como um passaporte? Isto é ironia minha, para contestar outros escribas? Claro que sim, mas é também minha crença não penduricar religiosidade na minha arte.
Há quem diga que a literatura (ou a poesia) é sua religião, mas é possível engajá-la a uma crença lítero-catolicista, sem que uma ou outra possam sair prejudicadas. Há aí uma certa contradição, ou pelo menos um panteísmo indigesto. Não nego a religiosiodade, mas considero que deva estar bem definida e posicionada. Ninguém pode servir a dois senhores.
Preciso ser livre, até o meu último minuto.
Não posso prejudicar minha produção literária, policiando-me diante de critérios religiosos, formais, porque a religião institucionalizada é a pior censura sobre a mente humana que cria, pois a verdadeira arte é dicotômica; precisa de não interferência, para movimentar-se com espontaneidade, sem maniqueísmos de bem e mal. A literatura com engajamento religioso fica bem posicionada na bíblia ou nos catecismos e outras publicações militantes, mas é temerária para o bom êxito da arte, em escritores seculares.
Esta minha definição de trabalho independente não é orgulho e sim necessidade. E se custar-me a morte eterna? “Beijinho no ombro” (como diz a liberdade do funk) para desígnios obscuros do universo das crendices que afetam o meio literário... Não serei outro Bocage, nem mesmo o Aretino citado nos seus versos, já que isto, em última análise, seria capitular ante critérios estranhos à minha arte. Álea Jacta Est.