Teoria Literária: ESPELHO, ESPELHO MEU!
Luciana Carrero*
Sempre considerei o Manoel Bandeira bastante prosaico. Não raras vezes, senti algo mais para crônica do cotidiano, em seus escritos. Muitas destas vezes não via neles sequer alegorias, mesmo que só para dar um certo ar de poesia, se fosse o caso. Também vi isso, com maior intensidade, em Drummond. Os textos destes dois, respectivamente, “Vou-me embora pra Pasárgada” e “No meio do caminho”, pareciam-me exercícios de uma escrita pouco a ver com Poesia e sim com manifestação versificada de uma ideia ou pensamento filosófico, com fortes apelos sociais. Nunca senti vontade de ter sido autora de um destes textos, nem inveja de não tê-lo sido. Acreditava haver melhores poemas para invejar. Quanto ao Quintana, quis sempre e quisera a graça de ter chegado, em magia, a dez por cento da imagética de um poema seu.
Voltando ao raciocínio inicial, muito menos ou quase nada, em prosaismo, do que vi nos poemas de Bandeira e Drummond, se poderia incluir numa análise sobre Quintana, porque sempre possuiu, o terceiro, o inconfundível dom de colocar perfumes de Poesia em tudo que escrevia. Acho até que isto acontecia à sua revelia, tamanha era a identidade que possuía com a transcendência.
Mas nunca cedi às influências dos dois primeiros, sempre pensara. Era o que parecia, porque hoje percebo que escrevo bastante naquela mesma ambiência escorreita dos dois consagrados autores brasileiros, sem querer comparar-me. Já ao Quintana, sempre reconheci que cedi bastante e assimilei dele uma aura quase imperceptível, até para mim mesma. Claro que com outros resultados, e isso ficou como uma base analítica para minha auto avaliação.
Embora não tenha levado muito a rigor, ao concluir um poema, perguntava: Espelho, espelho meu, usando este mesmo mote, alguém escreveria melhor do que eu? A resposta era esclarecedora. O espelho vibrava: Sim, Sim e Sim, Mário Quintana escreveria melhor que todos! Sim! Sim e Sim! – Mas o espelho sempre me disse, também, que ninguém é poeta o tempo todo. Continue tentando! E é isso que faço. Mas a exceção é obrigatória, eu dizia ao meu espelho, firmando meu conceito, e na observação dos outros que via e vejo, de relance nas galerias editoriais. Mário Quintana é a exceção, poeta em tempo integral. Poeta até no jeito de andar, de sorrir, de falar. Mesmo das costumeiras ironias deste poeta, saltava um poema, em falas rotineiras na Redação do Correio do Povo, ou nos passeios pela Rua da Praia.
Mas poesia pode ser o tempero e este perfume de que falei, que impregnava os textos do Mário. Por isso, embora sua contemporaneidade abrisse novas portas e janelas para a comunicação popularíssima em voga, os eflúvios da poesia gritavam mais alto em toda a sua obra. Bandeira e Drummod me apareciam mais frios, como fábricas de “poemas” sem compromisso com a Poesia, para atenderem a um consumo jornalístico, recurso que, embora sem sentir assimilei, como confessado no início deste texto. Acho que está caindo bem para o ambiente da Internet, redes sociais, etc., um certo prosaismo.
E o Mário, embora atrelado ao jornal, principal veículo para a divulgação da sua Poesia, por décadas concedeu-se e teve concedida maior liberdade pelos editores, e houve por bem não se desprender das raízes, quero dizer das essências e nem do classicismo que sempre cultivou. Um poema com ares prosaicos, do Mário, transbordava poesia pura e nobreza do clacissismo que lhe deu origem. Mas o Mário, se estivesse hoje entre nós, embora tenha enveredado um pouco por um certo modismo prosaico da sua época, seria ainda o mágico poeta de todas as essências, alicerçado em bases sólidas do clássico. Salvo melhor Juízo.
*Luciana Carrero, escritora e produtora cultural, reg. 3523, LIC/ SEDAC/RS. — com Joaquim Moncks e outras 19 pessoas.