Contos nublares #088: SAINDO PARA ONIRÓPOLIS

SAINDO PARA ONIRÓPOLIS

Contos nublares #088

Soa fortemente a terceira pré-síncope. É o último sinal, chamada para embarque.

Apressuradamente tomei uma monossilábica saída: “_ Fui!”

No confortável Luftmóvel, tomei lugar no primeiro lugar vazio. Em meio-piscar de olhos, cheguei em Onirópolis. Ah, como gosto de aqui estar! Se pudesse, daqui não sairia. As ruas, casas, bosques, tudo, tudo em multitons de cinza nublar. Para quem está de fora, pura monotonia, mas ao poeta sonhador, cores infindas lhe saltam aos olhos. Realidade é o concreto versus os sonhos. Para muitos, pesadelo, mas um bem necessário. Não fora assim, nem estaríamos aqui, interagindo em virtualidade.

Sem chaves para entrar em minha própria casa (deixei-as na casa do Júnior), passear em Hipno Park é a alternativa mais cordata, se é que se pode por o coração nessa decisão.

[...]

Estamos na fila do ponto. Esta anda muito rápido. Cumprimento Andrade, Ventura e Miranda.

_ Como foi a passagem de hoje, Rolim?

_ Doce e sincopada, Lucas! Quase imperceptível. E a sua?

_ Sem turbulência....

Noutra fila, Esmeraldo, meu filho, conversa com um colega de Secrétia, em retroês.

_ Aiê, Raca! Moco tanes sas milgensfám, Milor! Doto dôin embe?*

_ Dôin imo embe! Olacionesca fidedánis, embe dianadatas. Ed tonve me apop!**

[…]

Perguntaram-me que papo mais esquisito era aquele. Respondi que falavam das filmagens de seu novo filme, algo desse tipo. Em meio a esse papo, Filadelfo, colega do RH, se aproxima e me entrega um envelope da Universidade. Curioso, abri. Surpresa! Nem sabia que enviavam resultados pelo correio. Quinto lugar?

_ Uau! Passei para Engenharia Civil!

_ As aulas começam logo mais, à noite. Vôte! E eu nem me lembro de ter feito vestibular! Coisa mais doida! Uma série de documentos são exigidos, além do pagamento adiantado da matrícula e primeira mensalidade. Como faria isso em poucas horas? Penso no bolso e vejo que anda sobrando muito mês no meu salário. “_ Esquenta não! _” Penso de imediato.

Logo me encontro em sala. Aula inaugural. Recebemos uma apostila da espessura de um Caldas Aulete. Um assombro! Um tratado de Matemática ultra-pós-moderna, algo jamais visto. Cálculos Metaespaciais. Fórmulas aparentemente imarcescíveis, porém de osmótica assimilação.

Professor mui criativo, fala em impostação de tenor lírico, à la Pavarotti. Um quadro verde convencional, mas, dado à sua maestria, mais parecia um ultramoderno dispositivo multimeios. Supercansado, um livro espesso, um calhamaço de coisas para estudar, preocupo-me muito, devido minha dificuldade em reter memória. Contudo, estou animado, muito motivado para seguir em frente, sendo Esmeraldo, meu filho, meu colega de classe.

Impressionante! Ao concluir sua preleção, o mestre saca do bolso do jaleco, de forma mágica, o apagador, espécie de leque multifoliado, de cores prismáticas. À medida em que vai passando no quadro, psicodélicas figuras se vão formando em lugar da escrita. Uma surpresa atrás da outra!

_ Assim vai ser muito difícil limparmos o quadro amanhã, Mestre! Dá pena apagar imagens de rara beleza! _ Diz Esmeraldo.

_ Eita, Júnior! Lembrei-me que tenho um compromisso inadiável com a Suzana. Se esqueço, estou frito!

_ Pois é, Velho! Sabe como é! Mulher é como elefante. Jamais esquece. Dá bobeira não, meu!

_ Tá limpo!

Onirus Park é um lugar bucólico e deslumbrante. Um verdadeiro sonho. Um encantador recanto para celebrarmos nossas Bodas de Platina. Afinal de contas merecemos esse mimo. Saco do bolso o “autocard”, ponho meu polegar direito no chip leitor de digital. Abre-se um portal de teletransporte. Mesmo temendo um apagão na central da Virtual Teletrans, passo pelo acesso faiscando, prestes a se desintegrar. Já pensou se a sorte me prega essa peça? Como se restauraria meu DNA? É certo que há o backup, arquivo de segurança na central para nos devolver em caso de pane. E se algum vírus ultrapotente misturasse os dados lá? Jamais retornaria e se retornasse, não seria exatamente meu eu. Seria azar demais!

Enquanto deslizo nesses pensares, luzes piscam no painel de controle. Uma situação conflitante. “Ai, meu D'us!”, penso assustado. “Bem que as Escrituras nos alertam que o que tememos vem-nos acontecer”*. De repente...Pluft!

Despertei agitado em meu leito, supercansado e com uma leve dor de cabeça.

_ UFA!!!

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(*) "Porque aquilo que temia me sobreveio;

e o que receava me aconteceu" (Jó 3:25).

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Tradução:

(*) _ E aí, Cara! Como vão as filmagens, Esmeraldo?

(**) Indo muito bem! Alocações definidas, bem adiantadas. De vento em popa!

Secrétia - País das confidências secretas.

RETROÊS ou MADJOI - língua supostamente falada em Secrétia.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 27/04/2014
Reeditado em 15/01/2024
Código do texto: T4784825
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