O Mosquito
14:28.
Dois mosquitos transando no meu armário escuro,
em meio a bagunça das minhas roupas.
Sinto-me quase mal por interromper.
Acerto o casal em pleno ar.
Comemoro o feito de destreza e volto para minha rotina.
Menos uma para sugar meu sangue. Afinal, só as fêmeas têm este hábito alimentar. O que no fim me parece uma apropriadíssima coincidência.
Os machos só servem para reproduzir. Depois disso morrem.
Há muitas mulheres no mundo esperando apenas um macho para acasalar
e alguém para sugar o sangue.
A maior parte dos machos só pensam em sexo.
No fim esses tipos se merecem.
A minoria dos dois sexos procura algo significativo nessa existência.
Algo além das urgências físicas.
Eu me vejo sempre perdido entre crises existenciais e necessidades fisiológicas.
Comer, beber, transar e principalmente dormir. Frequentemente perco a hora ou troco todas essas atividades, cismando sobre alguma questão universal ou totalmente pessoal.
Vivo cheio de dúvidas, de perguntas... Certezas não fazem meu tipo.
Tenho a necessidade urgente e viva de por tudo isso em papel. Como se o ato de escrever de algum modo fosse uma forma de decidir e me focar em alguma coisa.
Tudo parece mais claro depois de uma noite escrevendo freneticamente.
Eu não seria o mesmo se não soubesse escrever.
Paro e penso, então, como seria minha vida se eu fosse um mosquito,
como o que eu acabei de matar, e minha vida girasse em torno de encontrar uma fêmea,
cortejá-la em pleno ar e em seguida morrer.
Agora sim, realmente me sinto mal pelo coitado.
Destruído no auge de sua existência por um humano egoísta demais para dar o seu sangue
por uma criatura de outra espécie.