As sete da manhã
Sentindo...
E pensando em quanto de tudo isto é real e quanto é apenas coisa da minha cabeça.
Pensando num retrato em três dimensões. Numa cena criada apenas com palavras e um pouco de imaginação.
Paro e pulo da cama e dou uma volta pela casa, procurando meu sono perdido.
Tem ocasiões que minha mente não quer parar de pensar,
de conjecturar e de construir cenas irreais.
Eu me faço passear nesses cenários fantasiosos até cair no sono, o que nem sempre dá certo.
Desta vez cansei. Fui passear de olhos abertos.
Mesmo assim a cena que criei não sai da minha cabeça. E toda aquela curiosidade, toda aquela ansiedade de tempos passados voltam a me acompanhar.
Subo as escada em espiral, indo para a laje onde mais cedo estendi minhas roupas.
A cidade está lá, ainda acesa, como um vaga-lume embriagado demais para se mover.
Piscando.
Procuro o leste, mesmo sem ter muita certeza de como encontrá-lo.
A mulher do meu retrato está lá. Quatrocentos e tantos quilômetros naquela direção.
Fazendo ‘sei lá o que’. Com certeza ainda acordada.
Nunca me interesso por mulheres que dormem cedo. É uma constante.
E de uma hora pra outra, me pergunto o que estou fazendo ali. Como se tivesse acordado de um devaneio ou de um sonho lúcido.
Não gosto deste lugar.
Desço as escadas e me jogo embaixo do chuveiro. Deixo propositalmente a água mais quente do que seria confortável.
A dor sempre me trás de volta a razão.
Me enxugo displicentemente e me deito no chão, esperando o ventilador de teto evaporar o resto da água no meu corpo, ou talvez esperando adormecer ali mesmo.
Às vezes acontece.
Mas não... O sono não veio. Nunca vem quando eu quero.
Volto ao retrato tridimensional.
E lá está a mulher que nunca vi, numa praia em que nunca andei,
me dizendo coisas que nunca esperei ouvir.
Me escrevendo versos de amor, contos e histórias.
Queria fazer daquele devaneio algo real,
não simplesmente palavras espalhadas num papel,
para serem degustadas pelos seus olhos cheios de sono
as sete da manhã.