Contos nublares #086: DIRETO DE ONIRÓPOLIS
DIRETO DE ONIRÓPOLIS
Contos nublares #086
“Onirópolis, cidade dos sonhos, onde tudo pode se tornar realidade, mesmo que virtualmente.”
O celular toca, indicando que seriam 6:00, hora da medicação. Coisa da dita Melhor Idade (rsrsrs). Também a famosa hora de desaguar, aliviar a bexiga.
_ “Que coisa!” _ retruca Melk! _ “São só 5:20. Esse cego ficou maluco!”_ referindo-se ao celular que está de tela queimada.
Espreguiça-se, chutando a preguiça e o torpor do sono para lá. Precisa ficar desperto mesmo. Toma uma boa ducha quente (fria nem pensar). Passa pela cozinha, programa seu desjejum no micro-ondas, cafeteira elétrica, torradeira e “tlim!” Tudo pronto para servir. Concluída a higiene pessoal, prolegômeno obrigatório diário, desce para a copa e toma seu pequeno almoço, como diria em Portugal.
O jornal traz manchetes preocupantes sobre a caótica situação do país, prestes a entrar num caos totalmente evitável, não foram os desmandos e mau uso do Erário. Melk pára e medita profundamente preocupado com tudo aquilo.
_ Meu Deus! Até quando isso vai continuar? O povo não aguenta mais essa situação!
Sai pro jardim, olha o céu sem nuvens, mas de um tom plúmbeo claro, indicando que poderá chuviscar, mesmo assim. Deixa-se elevar por uma brisa e, quando menos espera, encontra-se em Onirópolis, cidade cosmopolita de Natura, importante país do hemisfério sul do Planeta Delta 5, de uma galáxia ainda não catalogada.
Melk tem dupla nacionalidade incluída a de Natura. Sente-se reconfortado quando está sob sua atmosfera. Mora em Onirópolis, cidade dos sonhos e poesia, mas passa a maior parte do tempo em Naturália, capital política do país. Seu sistema de governo é impecavelmente democrático. Seu poder emana do povo, procede em favor deste, para o seu bem-estar. Cada contribuição fiscal é bem administrada e retorna para o povo em forma de obras essenciais, à medida que surgem as demandas. Ah, importante detalhe! Seus deputados e demais administradores não são remunerados, mas trabalham por puro amor à nação.
_ Oi, Sóstenes! Quais as últimas novidades por aqui, desde que parti?
_ Como sempre, Melk! Os naturalinos são povo ordeiro, educado e, acima de tudo, ético. O índice de criminalidade é zero, há décadas de décadas. Como vê, tudo sob controle.
_ E não chega a dar angústia, marasmo nessa rotina tão contumaz?
_ Não, Melk! Aqui todos se divertem sem problema, respeitando a privacidade um do outro. Opção de lazer é o que não falta. Se não bastassem centenas delas, o indivíduo pode inventar mais uma e mais outra, combinar essa mais aquela. O que primamos cá é o bem-estar do próximo.
_ Mas se eu proceder assim, como vou suprir as minhas?
_ Ah, Melk! Não percebe? Se cada um cuida bem do outro, é claro que todos são bem cuidados e não há carência em nenhum dos lados. É aquele ditado popular em prática: “O meu direito termina onde o do outro começa.” Tudo na mais perfeita harmonia. E não é utopia, pelo menos aqui em Naturália e no restante do país.
_ É, Sóstenes! Vendo por esse ângulo, fica bem mais entendido.
_ E lá em Pindora? Como vão as coisas por lá?
_ Chi! Nem te conto! Está a cada dia mais se aproximando do caos. Desrespeito aos direitos humanos, restrição da liberdade de expressão, inversão de valores, malversação do dinheiro publico, picaretagem na cúpula central de gestores. Um fiasco!
_ Isso tudo?
_ Tem muito mais do que sabemos. A certeza de impunidade leva aos absurdos. São obras superfaturadas, desvio de dinheiro. Para resumir, é o rato guardando o queijo, bandidos legislando em causa própria, amordaçaram a justiça. Enfim, vou parar por aqui senão vou ter um troço com tanta falcatrua, respaldada pela impunidade que é certa, apesar de muito errado, antiético.
_ Pois, Melk! Viva nosso mundo, Onirópolis, Natura e Naturália.
_ Pois é, também digo! Tão bom se esta realidade fosse também em Pindora. Creio que vou me mudar para cá. Vou-me embora pra Onirópolis, a terra onde podemos sonhar e realizar. E tem mais...
_ O que é, Melk?
_ É que se instalou, há algum tempo, um governo mal versado, movido pela corrupção que até dá dó em Pindora. A educação está sucateada. A insegurança pública é uma triste realidade. Querem a todo custo implantar um regime ultrapassado, falido e comprovadamente danoso à liberdade e bem-estar do povo.
_ Sério?
_ Sim. Pior é que há muitos iludidos nesse engodo e até os apoiam. Não aprenderam com os erros dos outros. Temos que mudar essa situação pela arma do voto. Mas, cá entre nós. Há quem diga que esse sistema de escolha não seja confiável. Temos muito receio de
esse pesadelo se tornar realidade. Eita, Sóstenes!
_ O que foi desta vez?
_ Preciso voltar urgente à Realidade, o bairro onde moro lá no outro mundo. Um probleminha circunstancial me impele a retornar imediatamente. Mas voltarei para continuarmos este agradável papo.
_ Ah, Melk! Aproveita este vento sul e pega carona.
_ Tchau! Lá vamos nóoooooooooooooooooooooooooooos!
Num instante está de volta a sua triste Realidade. Vamos em frente, porque lutar e vencer
é preciso!