Contos nublares #085: MEMÓRIAS DE UM EX ATÍPICO CAFAJESTE
MEMÓRIAS DE UM EX ATÍPICO CAFAJESTE
Contos nublares #085 - Baseado em fatos reais
A Incrível História de Dito e Tina
Meu nome é Fernando Ônirus Cloudstone (pronuncie claudistone), mas, desde garoto, me chamam Dito. Estou aqui, nesta tarde chuvosa a relembrar lances de minha pacata mocidade.
Antes de a chuva cair copiosamente, em pleno meio-dia, balanço preguiçosamente a rede dos alpendres em “L” enquanto pego carona nas memórias que afluem à mente. Ventos arrastam nuvens que se desfazem e refazem em mutantes figuras que aos poucos, quais iscas em anzol fisgam lembranças há muito supostamente apagadas.
Quem sou eu? Apenas um rapaz de 20 anos, ido ao mundo exterior do âmbito familiar, desafiado a conquistar meu espaço numa sociedade, nada a ver com o que aprendi sob o teto do lar onde nasci, cresci, adolesci e principiei minha maturescência.
_ “Cuidado, Dito, com as aparências! Elas sempre nos enganam.” _ Aconselhava minha santa mãe. _ “Olha as más companhias e as más conversas! Corrompem os bons costumes. Respeite o próximo, o bem alheio e não abra mão da honra. Se preciso, por ela morra. O mais é questionável e não vale a pena se empenhar por ele.”_ Complementava o meu honrado pai. E isto tem sido o meu norte, meu guia até os dias de hoje.
Dizem que eu sou bonito, charmoso e muito atraente. Tenho lá minhas dúvidas. Meu olhar tímido de jovem triste, assustado talvez, diziam elas, era “irresistível”. E nunca fiquei sabendo disso. De fato, uma discreta ptose bilateral, com as pálpebras ligeiramente caídas, davam-lhes a impressão de que paquerava a todo o instante. Mas juro que não era intencional. Assustava-me pois não dava tempo de abordar as garotas. Elas chegavam primeiro e levavam aqueles papos intermináveis de não sei o quê nem onde queriam chegar. Às vezes ajudavam, outras não.
Foi numa dessas que a carência me traiu. Ali se deu o meu primeiro idílio mais sério e aconteceu de forma espontânea. Quando menos esperava, descobrimo-nos na maior paixão que jamais pude imaginar. De rapaz acanhado da roça, a galã de minha própria história. Manjares a desfrutar antes jamais imaginados. Tudo culpa daquele beijo na boca. Nem sabia que havia aquilo tudo. Mas o beijo me traiu e me cegou a tal ponto de não me dar conta do que estava acontecendo. Só sei que era algo estonteante, aparentemente fora da realidade, mas tão real que estava mesmo a acontecer.
Certa noite, fizemos uma viagem incrível. Uma incursão intergaláctica que nos levou ao delírio e um apagão a nos deixar arfando, sem noção, mas num estado de torpor fascinante. Pensamos que ficamos por ali, mas alguém continuava sua viagem através do canal intergaláctico. Não sabíamos, mas algo fenomenal estava-se formando naquele exato momento.
Decorridos cinquenta dias, tive uma experiência pessoal de fé. A partir dali, mudou completamente meu rumo em uma nova e brilhante direção. Os colóquios com Tina (esse era o seu carinhoso apelido), cessaram de vez, a contragosto dela. Não que não a desejasse mais. Não era bem isso, mas porque estava percorrendo um novo caminho de fé e eu, por auto-escolha assim procedia. Assim decidira. Tina não perdoava meu comportamento e resolveu também se “converter”. Mas era parte de sua estratégia para ter-me por perto e não perder o seu namorado. Uma semana antes de meu batismo, ela chegou para mim e explodiu uma bomba “H”, bem em meus bigodes:
_ Dito! Preciso lhe falar algo muito importante!
_ Fala Tina! Mas adianto que não podemos continuar como antes, se é que me entende.
_ Pois é! Não é bem isso, mas é muito mais sério. Você precisa se casar comigo!
_ O quê? Ficou louca! Nós já conversamos sobre isso e pensei que estávamos entendidos. O que está aprontando dessa vez?
_ Eu não! Nós! Ele não tem culpa alguma.
_ Ele quem, menina! Pirou de vez?
_ Não, Dito! Longe de mim tal coisa! Este aqui!_ Falou apontando sua barriga. _ estou grávida!
_ Você é louca! Não me conte uma notícia dessa! A culpa é sua que não se cuidou! Tô fora! Casamento não está nos meus planos. Ene-A-O-Til – NÂO! Não me venha com esse papo. Deve ser mais um de seus planos para me fazer voltar atrás e a resposta é não!
_ Aqui não existe nem “Eu” nem “Você”. Nós fizemos isto! Nós somos responsáveis. Não me jogue todo o ônus sobre mim. Tenho família, meus tios não vão entender e vão-me expulsar de casa. Te vira que o filho é teu também!
_ Tina! Você me colocou em órbita e não consigo voltar sem avarias! Casar não estava nem nos meus nem em seus planos. Vamos continuar como estávamos acertados? Não use nosso filho como moeda de barganha! Ele é inocente nessa história! Casar não! Mas eu assumo o filho e lhe darei meu nome, tudo o que ele necessitar desde o pré-natal até sua formatura numa universidade. Se for menino, vou por meu nome e chamá-lo de Júnior. Juninho! O que me diz?
_ Muito bonito, né? Muito cômodo! Não é você quem vai carregar uma criança na barriga por aí e ficar malfalada! Não estou preparada para isso. Se você não se casar comigo, também não lhe darei o gosto de o ver. Vou cometer aborto e fim de papo.
_ Nem pense nisso! Sabe muito bem que é crime matar o seu próprio filho. Tem até nome, sabia? Fi-li-cí-di-o. E se você fizer isso mesmo, aí é que nunca mais vou querer vê-la por perto.
_ Cachorro! Cafajeste! Ordinário! Você pagou pra ver! Vai ver só!
_ Calma, Tininha! Você está descontrolada. Assim não dá pra conversarmos. Outra hora a gente conversa!
Saímos dali ambos alterados. Não consegui dormir naquela noite. Milhares de possibilidades analisadas com a inclusão daquele inocente ser, que agora lutava para ser gestado e vir à luz. “Caso ou não caso? Que dilema, ó Deus!” Ruminava pensamento em como evitar aquela tragédia. E se ela estiver só blefando? Mas ela seria capaz disso? Vou falar com ela pra me dar um tempo para eu decidir sobre. Não é uma decisão de fácil tomada. Ela iria me entender. “Ligo ou não ligo?” Não não vou ligar, pelo menos nesta semana. Estou alterado e poderemos voltar a brigar e isso não vai ser bom para a criança.
Uma semana depois o celular toca. O coração bate forte, pois não aguento esperar para dizer que resolvi casar com ela e dar um lar maravilhoso pro nosso filho. Mas que decepção! Mulher é pior que elefante! Não esquece jamais e se foi magoada, pior ainda!
_ Oi, Tininha! Tenho uma ótima notícia pra ti contar!_ Ela me interrompe bruscamente...
_ Eu também tenho uma melhor ainda pra você festejar! Sabe daquele estorvo da barriga e tal? Não precisa mais se preocupar. Já resolvi tudo! Há dois dias não é mais problema. Provoquei aborto!
Ali mesmo, sem fôlego e sem ação, escorreguei no tronco da jaqueira, deslisando lentamente até ficar agachado. Meus olhos perdidos no infinito, lágrimas a cântaros, chorei amargamente a desdita do meu filhinho que não teve a sorte de vir aos meus braços, sentir o calor do meu abraço e o meu amor que já era enorme por ele (ou ela). Ah, que ódio! Ódio mortal por aquela louca que teve a coragem de matar o seu próprio filho. O nosso filho! E naquele turbilhão, não percebia a minha parcela de culpa que me fez largá-la à sua própria sorte no primeiro momento, quando soube. Não a quero inocentar mas também não deve ter sido fácil para ela.
Agora, vejo as nuvens se desfazerem e, de volta à realidade, vejo as coisas bem mais claras que naquela época. Disso tudo, guardo esta lição. O amor é o bem maior, disso não tenho dúvida. Mas amar exige responsabilidade e mutualidade. Não é moeda de barganha, mas um dar-se em genuíno altruísmo, em busca do bem-estar um do outro.
Amor não é sexo ou paixão pura e simplesmente. Amor conjugal exige dos cônjuges compromisso e responsabilidade. Um cuidar mútuo sem o qual não haverá amor além do fulgor de uma paixão. O Amor vem de D'us! É dom divino e precisamos de Sua Bênção para sermos bem-sucedidos na arte de fazer o melhor pelo ser amado.
Amemos enquanto é tempo para depois não nos lamentarmos amargamente!