Ruas

Ruas. Sem fim. Sem cor. Cinza. Asfalto. Escuras. Sombrias. Rios que se estendem nos corações da cidade. Eternos. Inacabáveis. Correntes? Ondas? Leitos? Margens? Antes ante a vida agitação. Peixes. Não. Homens. Apressados. Correndo. Rostos? Distantes. Perdidos. No tempo. No espaço. Olhos? Inexpressivos. Inexpressíveis. E impressionáveis. Pra mim. Pra você. Pra nós.

Ruas de ondas de asfalto. Lombadas. Crateras. Buracos. Sinais. Ora tortuosos. Ora escondidos. Ora presos ao entendimento. Limitado. Mal disfarçado. Ondas e correntes que nos levam. A todos os lugares. E ao mesmo tempo... Nenhum. De repente. Pés. Pernas. Passos. Rodas. Rangidos. Roncos. RRRRRRR... Movimento! Bicicletas! Carroças! Motos! Carros! Ônibus! Caminhões! Carretas! Todos prontos. Para? Levar-nos. Para onde quisermos. E... Aonde queremos? Sim... Não? Enfim.

As ondas hoje não são autônomas. Não têm vida própria. Antes era o vento. A corredeira. A cachoeira. O desfiladeiro. Antes era o vale... As enchentes. As ondas hoje são as do pensamento. Do desejo. Da necessidade. Assim vive-se na cidade.

O leito? Infindável massa. Asfalto. Não mais líquido. Não mais fluido. Não mais alegre. Não mais vivo. Antes escuro. Antes negro. Antes sombrio. Antes fechado. Antes era tão diferente! Terra batida! Pedra! Paralelepípedo! Aí veio o piche. O alcatrão. Aí veio o progresso. E aí veio o dinheiro. E aí veio o lucro. O Capitalismo. As filosofias. A dominação. As revoltas. As guerras. Aí vieram as mortes. Aí veio a miséria. Mas miséria já não é lugar pra rua. Miséria é coisa de calçada. Aí veio o suicídio. Aí veio a velocidade. O racha. E aí veio a certeza. A rua é uma arena. É uma trena. Ali mede - se os gladiadores. Não há peixes. Não há anfíbios. Mas há um hábitat. Da violência. Da luta pela vida. A vida é sempre uma luta. Vive-se até o próximo farol vermelho.

À margem das ruas? À margem do capital? Dos desfiles? Das luzes? Dos paetês? Dos semáforos? Coloridos? À margem dos devaneios da sociedade? Do consumo? À margem fica a pobreza. A droga. Estas ruas são uma droga. Em pó ou injetáveis? A prostituição. À luz dos altos postes. Atrás das lixeiras. Atrás dos becos. Escuros. Onde nada se vê lá está a verdade. O visível é a mentira.

Onde estão? As ruas? As estradas? Os caminhos? Os camões? E os caminhas? Por onde velejam nossos barcos? As nossas canoas? Furadas? Apertadas? Apartadas? Umas das outras? Por onde vai nosso pensamento? Nosso desejo? A verdade é que todo coração possui seu rumo. Toda mente. Toda alma. Todos os olhos. Todos nossos passos. A realidade é uma rua sem saída. Mas a mente insiste em fugir. Dobra as esquinas. Ah! Se pudéssemos ver as ruas em nosso coração! Congelar as imagens... Por minutos. Por segundos. Por um segundo.

Se pudéssemos ter a visão dessas estradas! A realidade no meio. Rio principal. Amazonas! Nilo! Paraná! Mississipi! Imensa vida que nos leva. E leva junto consigo. Asfalto negro. Quente. Selvagem. E os afluente. Nas bordas. Os Tietês. Os Paraguais. Os Solimões. Os Araguaias. As fugas. Mas todas as fugas... Inúteis! Pois nunca abandonam seu centro. No mais viramos as esquinas da vida. Sob as lâmpadas. Sob os neons. Sob os semáforos. Sob as faixas. Sob as rodas. E os sapatos. E as cuspidas. E o lixo. Contêineres. Barracas. Ambulantes. Feiras.

Nosso coração? É cheio De ruas. Estradas. Lombadas. Horas Nuas. É cheio. E já ficou cheio! Partido ao meio. Corações divididos. Por uma rua. Por várias. Por muitas. O Bem ou o Mal? A Virtude ou o Desejo? A Maldade ou o Perdão? O Amor ou a Solidão? Há uma rua negra dividindo uma cidade em dois quarteirões. Há divisão. Há compreensão. Simultaneidade. Sincronicidade. O mesmo homem que diz que ama trai. A mesma mulher que é mãe sofre. O mesmo político honesto rouba. O doente terminal? Não cansa de viver! A musa embriagada? Quer partir deste mundo.

Um rio tem uma terceira margem? Tem um leito oculto? Um sonho inculto? Um riacho tem transparência? Pois uma rua tem de tudo. E não tem nada. Porque quem a tem somos nós. Nós somos como as ruas. Nós somos os caminhos. Trilhados no coração.

Ó, coração! Ó, mente! Ó yin – yangs que brincam de girar! Ó roletas russas! Tende ruas e estradas como videntes. Confidentes. Seguidoras. Curtidoras! São amantes. E bastidores.

Ó ruas que se estendem além do infinito! Ó ruas negras! Sob as luzes fracas da noite! Dizei-me vossos segredos... Mas as ruas se estendem. Alongam-se. Demoram-se. E não se entendem. E eu aqui... A voz das ruas é o silêncio. Quem sabe? Talvez a gente se encontre. Numa rua qualquer. Por aí...

Ronaldo Thomé
Enviado por Ronaldo Thomé em 28/11/2013
Código do texto: T4590329
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.