Conto Nublar #080: TOC! TOC! TOC! ENTREGA EXPRESSA!
TOC! TOC! TOC! ENTREGA EXPRESSA!
Conto Nublar #080
Deitado na rede do alpendre admiro o céu de um cinza que me lembra a queima do palhiço do canavial de minha infância em Missão Nova, na Vila Joaca Rolim, no Ceará.
Também me lembra o quanto gostava de chupar cana Coimbra, P.O.J. e Caiana. Esta a gente nem precisava descascar. Chupava nos próprios dentes de tão dócil e doce. Lembro do corte da cana, dos cambiteiros a transportar as canas e os olhos destas nos cambitos aos lombos dos burros e jumentos cantando em solo ou em dueto. A brisa trazia em seu bojo aquelas vozes que nos encantavam morro acima.
Lembro também da bagaceira, do Compadre João das Dores arrastando o couro de vaca com uma montanha de bagaço de cana até a porta da fornalha. Ali, Vicente de Rita já o esperava para ir alimentando o fogo, com sua forquilha a empurrar e empurrar mais e mais bagaço pra dentro daquela boca parecia nunca se fartar. Lembro ainda do salão de cozimento da garapa da cana e seu tratamento até chegar o ponto do mel quer para puxar alfenim quer para traçar rapadura ou batida. Tudo tinha um ritual especial até chegar à sua forma final.
Lá no céu, uma nuvem carregada derrama chuva mais além e cá dentro nas lembranças me conectava no momento mágico esperado quando Chico de Codília e Luís Monteiro pegavam o tacho de mel no ponto de traçar e despejavam nas gamelas para traçarem as rapaduras. À medida que vão traçando em movimentos senoidais, em forma de oito, o mel ia clareando dando o toque que está prestes a morrer. É o momento de cachear o mel oxidado nas formas que estão imersas num tanque com água límpida. Com um pá os cacheadores vão enformando as rapaduras e daí seguem para um estendal para esfriar antes de desenformá-las.
Enquanto viajo nessas literalmente doces lembranças, me toco que hoje ironicamente não posso mais me deliciar com essas guloseimas sem que sofra consequências. Transporto-me para outra dimensão. Dessa vez, uma viagem ao meu interior.
_ Toc! Toc! Toc! Entrega expressa!
_ Da parte de quem!
_ Diretamente dos Laboratórios Pepto-Pancreasis. Carregamentos de gligose e insulina, pronta entrega.
_ Um momento! Alô! É da Central Real Pithu I. Tária? “…” Estamos aqui morrendo de fome, energia a nível quase zero, enquanto lá fora, carregamentos e mais carregamentos de glicose e insulina, portão de entrada emperrado e nada pode entrar. É como nadar a noite toda e, pela manhã, morrer na praia.
_ Sim! “…” Sim! Pois é! Sabemos! A insulina é a chave para permitir a entrada da bomba de energia para nós, ou seja, a glicose, mas não abre nem a pau! Enquanto isso, estamos quase a desfalecer.
_ O quê? Recebendo e-mails solicitando mais e mais energia? E que resposta Sua Majestade tem dado?
_ O que? Dr. Pâncreas produzir glucagon? Ai meu Fígado! As gorduras lá armazenadas se transformarão em açúcar e lá vêm mais e mais insulina. Daqui a pouco se tornarão em cetona e poderemos sofrer um coma diabético.
_ Por favor! Não posso ficar esperando o pior acontecer! Pergunta à assessoria de Sua Majestade o que podemos fazer para evitar essa catástrofe!
[…]
_ Pois sim! Sou o Dr. Hipóh Phisê! Como você está se alimentando?
_ Muita caloria e muita proteína para não me sentir fraco. Mas não adianta.
_ Atividade física?
_ Me espreguiço quando acordo, faço caminhada para o banheiro, faço “hidroginástica de chuveiro”, depois faço levantamento de copo e talheres nas refeições. Ah! Digito bastante ante o computador e pratico bastante neuróbica. _ Respondi convencido de ter dito algo importante.
_ Meu amigo! Meus pêsames! Já contratou seus serviços funerários! Desse jeito logo mais sua família vai precisar de um. É melhor não se delongar. O Eterno Criador sabiamente nos criou para usar nosso corpo sem desperdício. É tanto que os alimentos energéticos que consumimos e não gastamos são armazenados em forma de gordura para provisão futura em eventual necessidade. Depois se não há consumo, as “boquinhas” das células de fecham e não deixam entrar a glicose insulinizada (ou insulina glicada), podendo se caracterizar uma resistência à insulina (insulino resistente) ou diabetes tipo 2.
_ Mas, como fazer para evitar isso?
_ Procurar imediatamente um Endocrinologista para manter uma dieta balanceada e manter uma rotina de exercícios físicos a fim de queimar calorias, porque se não houver queima, não pode haver reposição e suas células não poderão abrir novamente a “boquinha” para receber seu alimento energético e você não vai querer pagar pra ver o que acontece se não se cuidar, vai?
_ E o que pode acontecer?
_ Apenas algumas coisas do tipo AVC (acidente vascular cerebral) infarto do miocárdio, cegueira, insuficiência respiratória, impotência sexual, amputação de membros e outras complicações como retinopatia e neuropatia diabéticas.
_ Égua! Nunca mais vou comer açúcar!
_ Mas também não é pra tanto! Sem açúcar seu cérebro morrerá pois seu alimento básico é açúcar coadjuvados pela água e oxigênio. Nem tanto nem tampouco, mas tudo com equilíbrio.