Conto Nublar #078: … AS NUVENS VÊM ATÉ VOCÊ
… AS NUVENS VÊM ATÉ VOCÊ
Conto Nublar #078
A primeira vez, que consciente e literalmente andei imerso em nuvens, foi em 18 de março de 2006.
Havíamos subido ao topo da Table Mountain, em Cape Town, África do Sul. Confesso que fiquei temeroso, mas fui um autêntico artista, não denunciando jamais a exacerbada acrofobia que trucidava minhas entranhas. Que bom que minha convivência com o teatro em minha mocidade ajudou-me a disfarçar o medo que me sufocava cá dentro.
Subimos até o estacionamento a aproximadamente ¼ da montanha. Ali deixamos nossa van e seguimos às bilheterias.
Eram dois teleféricos com duas entradas e duas saídas distintas na base da montanha, mas apenas uma estação de entrada e saída no topo. Por isso, enquanto um subia, outro forçosamente tinha que descer. Procurei ficar no centro do teleférico evitando olhar para baixo e sentir o pavor me assaltar. Fechar os olhos seria mil vezes pior. Para a minha surpresa, o teleférico é giratório, mas de modo lento e essa variação de horizonte, em vez de deixar-me enjoado, ao contrário, encorajou-me buscar a janela para apreciar melhor as paisagens maravilhosas que nos cercavam. Tomei um baita susto ao ver os alpinistas subirem aquelas encostas íngremes. Naquele dia, soube que havia até brasileiros no tento alpinista. Houve também algum contratempo envolvendo bombeiros e salva-vidas no resgate de alguns.
Enfim, o topo. Lá vimos uma maquete de todo o maciço da Table Mountain que se estende até o Hope Cape e seu ponto extremo sul denominado Cape Point. Na encosta que dá vista para a False Bay, há uma sequência de doze montes que ao longe dá a impressão de doze enormes bustos, os quais são denominados de The Twelve Apostles (Os Doze Apóstolos).
Enquanto recebíamos essas explanações, uma densa nuvem do Atlântico, tangida pelo Amigo Vento Oeste, alcança a Montanha pela metade. Um espetáculo à parte. Daí, a nuvem vem escalando o lado oeste da montanha e vai subindo, subindo até nos alcançar. Talvez por estarmos ao nível e em contato com a terra, não tenhamos sentido tanto frio abaixo dos 4º que já fazia. A visibilidade ficou a zero. Nada víamos a não ser quase tocando as pálpebras. Aos poucos, a cerração foi-se dissipando e descendo pelo lado leste, dos Doze Apóstolos e segue o seu rumo à costa do Oceano Índico. Enquanto durou essa raridade, aproveitamos e registramos fotos paracalar os mais cépticos.
Hoje, ao acordar, abri a porta da sala de estar e uma nuvem semelhante à do Atlântico invadiu a sala e lambeu-me dos pés à cabeça. Punky, nossa fiel escudeira, fez o mesmo como a imitar a nuvem rastejante ou se estivesse a dizer: _ “Vaza que o dono é meu!” _ Ela estava a tremer, apesar da blusa de frio e das cobertas que lhe agasalharam durante a noite. Nem João-de-Barro, Bem-te-vi, Vem-vem, Caldo de Feijão, Burguesa ou Quero-quero, nada. Apenas um gélido silêncio quebrado pelo som da brisa matinal, que arrebanhava a cerração, naquele momento a zero de visibilidade, para subir em caracóis até as alturas dignas de uma nuvem bem formada. Uma missão a esperava: chover no Centro-oeste de Goiás e Mato Grosso.
_ Bom dia, Envolvente Nuvem!
_ Bom dia, Od! Se Od não vai até as nuvens, as nuvens vêm ao Od!
_ Muita gentileza de sua parte, Envolvente! Gostaria de entrar e conhecer o meu Lar?
_ Au! Au! Nem pensar! Eu, que sou daqui, nunca tive o prazer de entrar na casa, ela é que não entra!
_ Não se preocupe, Punky! Não posso entrar. O calor que vem daí de dentro, fatalmente me dissiparia e eu perderia minha razão de ser, inclusive a missão a mim confiada. Urge que eu suba. Se quiser, suba com seu dono, quando ele quiser ir por lá. E não se faça de rogado, OD.
_ Certo, Envolvente! Tenho mesmo que colocar muitas ideias em ordem e lá em cima é sempre onde a imaginação flui em plena liberdade. Também lá não há mais solidão. Enquanto passeio e flutuo sobre as ondas de nuvens, tenho encontrado muita gente boa que transpira poesia e são porta-vozes da paz, do amor e da fraternidade.
Aceno para Envolvente e Brisa da Manhã que sobem em gracioso balé de múltiplos caracóis, enquanto o Sol dá as caras e gorjeios preenchem o ar num festivo amanhecer, anunciando que um novo dia desperta, trazendo esperança e a misericórdia do Senhor que sempre se renova em cada manhã.