Conto nublar #073: O EFEITO ACOPIP
Conto nublar #073: O EFEITO ACOPIP
Hoje acordei pelas quatro da madruga, por pura e espontânea pressão vesical. Um apelo compulsório.
Canoros pardais, bem-te-vis e joões-de-barro enchiam a atmosfera fria num polifônico madrigal, permeados de contracantos e contrapontos dos vem-vens, quero-queros, rouxinóis. Somente o canto triste dos anuns como se procurassem por alguma cria perdida: _ “Fiinha! Fiinha! Fiinha!” _ cantavam penosamente quase a quebrar a doce harmonia daquele concerto ao sol levante.
A percussão foi por conta dos meus grilos auriculares que, hoje, estavam com a marcação a capricho, mais atrozes do que o costume. Aos poucos, os roncos dos motores iam preenchendo o vazio das ruas, abafando um pouco o 'tinitus' a percutir os meus maltratados tímpanos.
Pegando a deixa 'en passant' de brisa Noroeste (NO), não me fiz de rogado. Subi num piscar de olhos e já estava, em poucos segundos, flutuando num denso colchão de nimbos, ornados de rendas feitas a bilros, com bastante esmero pelo vento SSE (Su-sudeste) tingidas com as cores do último crepúsculo brasiliense. Estava a concluir a Teoria do Meta-espaço, uma variante da Teoria Espaço ou Mundo Paralelo, só que, no meu caso, eu explorava mais o desvio do fluxo pseudo-metaplasmático, num ângulo a 60º em relação ao eixo 'para' e 30º relativos ao 'orto'. Não conseguia traçar qualquer modelo, visto se tratar de grandezas metafísicas para-naturais e eu desconhecia qualquer parâmetro que me desse, pelo menos, uma luz que me levasse a alguma sinapse positiva.
Foi quando, lembrando de um sonho que tivera em tenra infância, fechei os meus olhos e imaginei revirando-os em 180º, como se quisesse olhar meu interior. Meu olhar emitia uma nívea luz semelhante a dois emissores de laser. Os raios iam direto à cama do esfenóide, onde, majestosamente deitada, jazia minha Pituitária, a Glândula Rainha a reinar sobre todas as minhas funções hormonais.
Intuitivamente, focalizei a Hipófise com os dois raios lasers. Abriu-se, então, um portal frente a mim e um impulso a gritar interiormente: _ Mergulha! _ Mergulhei imaginativamente e algo estranho ocorreu. Como num efeito pipoca ao contrário, vi-me encolhendo neste espaço físico até reduzir a um ponto e, “pluft!”, restaurar-me no Meta-espaço. Confesso que fiquei super assustado e o que vi do lado de lá foi por demais maravilhoso, mas impossível de contar, pois me faltam palavras para descrever algo que não existe por aqui e quem sabe, jamais venha a existir algum dia. Então, não contei conversa. Experimentei. Se focalizasse a Hipófise ou Pituitária, poderia voltar ao Espaço Real. E num piscar de olho, voltei ao meu assento nublar.
Neste momento, ouço um acordeon tocar com maestria ‘Saudade do Matão,’ de autoria de Jorge Galati (1904). Curioso é que Galati a batizara de ‘Francana’; Pedro Perches de Aguiar, em 1905, mudara o nome para o qual é até hoje conhecida sem o conhecimento de Galati. Uma bela senhora tocava um acordeon Scala, 80 baixos, armação em bela e cintilante madrepérola vermelha, dedilhando com maestria, que não subi ao céu porque já me encontrava lá. Aproximei-me, de mansinho, cantando o último verso em ralentando...
_ “… Que a sorte me tirou foi uma grande dor.” Mas como você é virtuosa! Fiquei boquiaberto com esbanjante talento. Muito prazer, sou...
_ Eu sei! Od Peterson, o próprio! Já nos conhecemos, só que virtualmente, e por último, via FB. Você me convidou para um 'workshop', lembra?
_ Não pode ser!... Maria de Jesus?
_ Em Carvalho e em pessoa! Surpreso? Não é só você que tem a faculdade de vir até aqui. Captei o jeito de subir e o NE me trouxe, justo numa hora em que me achava meio nostálgica.
_ Mas que belo ‘Scala’ ! Parece novinho em folha!
_ É que foi presente de meus pais e, até hoje, o zelo com especial cuidado. Mas o que andas aprontando dessa vez? Não vieste aqui, por acaso!
_ De fato! Estou aqui por um motivo muito especial. É que descobri o único meio de passarmos desta realidade para a realidade Meta-espacial.
_ De que está falando, amigo?
_ Depois explico melhor. É a Teoria do “EFEITO ACOPIP”. Em inglês eu diria “PUPOP Effect”. Em outras palavras, Efeito Pipoca ao contrário. Mas não dá pra explicar agora. Assim que der, mandarei uma cópia para que possas melhor entender.
_ Va bene! Não vás esquecer!
_ Nem me fale nesse verbo. É o que eu mais detesto e o que eu mais tenho conjugado ultimamente. Ei, Maria!
_ Fala, Od!
_ Toca aí a saideira pra gente voltar pra casa! Pode ser?
_ Claro! Por que não? Vou tocar ‘Relâmpagos e Trovões’ de Strauss. Daí, aproveitamos e vamos descer de carona em um desses... Valeu?
_ E como!!!...