TOQUE FENOMENAL A CAPRICHO
Conto nublar #071
(Uma ficção)



Aquele fora um dia atípico de agosto em Brasília.

Normalmente nesta época amanhece num um azul-cinza e permanece o dia inteiro, salvo algumas chumaçadas nuvens que desfilavam ali e acolá ou bem mais longe. Disso não passa.

Os últimos acordes de uma inaudita sinfonia que os ventos e brisas, protagonistas da hora em conjunto com as nuvens nos mais diversos naipes, coadjuvantes de um surgente espetáculo que se está a formar. Estratos, cúmulos e nimbos e minúsculos aglomerados de gotículas d'água quem, embora invisíveis, dão um toque fenomenal a essa espécie de rapsódia que apenas os ouvidos argutos de um poeta conseguem ouvir o inaudível. Somente um poeta consegue perceber o inefável, ver o invisível ou tocar o intangível e descrevê-lo de modo imarcescível.

Então, após a sesta, levamos nossos cunhados para ver uma das paisagens mais belas do DF, uma espécie de cabo de um mar de longínquas eras, não mais existente, onde estrategicamente certo arquiteto plantou, na MA-16 do Núcleo Rural Casa Grande, GAMADF. Uma igrejinha nos salta aos olhos, dando o bucolismo exótico que empresta à paisagem.

Enquanto isso, no céu, as nuvens se aglutinavam e prometia um belo espetáculo ao por do sol. Em movimentos secantes, Vento Leste as soprava rumo ao poente. O Astro Rei se esforçava pra cumprir o seu benfazejo luzir diário. Sôfregos raios projetam-se entre vazios internublares resultando numa gigantesca obra plástica. Se olhasse bem, parecia uma reunião, algum seminário. Como gostaria de estar lá em cima para perscrutar o tema daquele 'workshop'!

_ Não seja por isso! Sobe aqui, Od! Num instante estarás entre eles.

_ Que bom, Leste! Vamos nós!

Como num passe de mágica chegamos lá. Pacifica e confortavelmente sentados sobre as nuvens em círculos concêntricos, todos os tipos de nuvens e ventos ouviam atentamente as determinações do Criador para o que iria acontecer em tempos e tempos determinados. Atentamente anotavam palavra por palavra. Nada pude registrar visto ser selado para humanos como eu, mas no meu espírito a tudo guardava. De uma coisa fiquei certo. Precisava tomar e pôr em prática o plano administrativo de José do Egito. Não precisaríamos ser alertados para uma surgente calamidade que deixasse a todos em situação de calamidade pública. Precisamos estar sempre alerta e precavidos.

Devemos gastar apenas um terço de nosso salário, guardando sempre os dois terços restantes para necessidades vindouras. No mínimo isso resultará em uma poupança que certamente nos fará bem em caso de necessidade que por ventura sobrevier.

Infelizmente no Brasil não temos o habito de nos preparar para a “hibernação”. Nosso clima é muito generoso e raramente encontramos pessoas que se preparem para ocasiões de contenção e restrição.

Quando visitei meu filho na Suíça há alguns anos, entre o mês de agosto e setembro, não conseguia entender determinados cuidados que ele e minha nora mantinham. Eram semanas que antecedia o outono. Muitas árvores já perderam quase que totalmente sua folhagem. Enquanto lá fora nos congelava o gélido frio alpino, o interior da casa ainda se mantinha a 23ºC. Vez ou outra eu abria a porta basculante para entrar um friozinho que me deleitava. Discretamente os via fechar as portas. Depois entendi que o manter as portas cerradas conservava a temperatura em alta e quando o inverno batesse à porta, gastar-se-ia menos gás para climatização da casa. Tudo faz sentido.

Aqui, principalmente os patrícios das regiões trópico equatorianas não precisam armazenar nem poupar para as intempéries do inverno. Aliás, essa estação, para muitos, só existe no calendário. Em minha terra, só se sabe de duas as quais erroneamente chamamos de inverno e verão. De fato, o que chamamos de inverno é na verdade o verão, caracterizado pela alta umidade e período chuvoso. Já o verão que chamamos e por lá conhecemos é justamente o inverno e primavera. Coisas do regionalismo.

Captada a mensagem, senti urgente desejo de pôr em prática aquilo que me veio à mente. Pedi a Leste que me fizesse descer. Aproveitou um leve chuvisco que fizera cair naquele instante, pisquei os olhos e desci de carona.

Voltando a mim, percebi que não estivera ausente mais que uns cinco segundo. Olhei para o céu e percebi que o mesmo quadro anteriormente descrito ainda perdurava. Resolvi registrá-lo com o meu celular, antes que se diluísse como sempre acontece.

Agora só me resta pôr em prática o que daquela nublar experiência aprendi. Alguém mais se habilita?

 



Fotos: de minha autoria - GAMA - DF

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 25/08/2013
Reeditado em 26/08/2013
Código do texto: T4451705
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