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DESCOBRINDO A VIDA
Contos nublares #069


Hoje Brasília despertou careca.

Céu azul plúmbeo, nenhuma nuvem. Apenas alguns sargaços nublares um pouco acima da linha do horizonte, que mais lembravam os poucos cabelos restantes de uma meia calva. Entretanto, o clima amigável ao sabor de suave brisa, a roçar as faces de quem por ali passasse. Abismado pelo raro azul de ocaso outonal, quase a passar o bastão para o inverno, respirava o ar fresco da matina. Od Ben se aproxima do pai e pergunta-lhe:

_ Pai! Por que tanto suspira olhando pra cima? Buscando inspiração pra escrever?

_ Isso mesmo, Beni*! Sempre busco nas nuvens inspiração para escrever. Mas hoje só esse azul cinza e essas penugens “à la nuvem” a circundar o horizonte, sei não... Acho que o céu não está pra conto...

Uma voz do alto os interrompe: “_ E por que não? Subam cá e verão que têm motivo de sobra para escrever.

_ Eita Pai! O senhor viu? _ Diz Od Ben assustado. _ Que foi isso? Quem falou?

_ Não tenha medo, Filho! Pela voz sou capaz de apostar que é o meu amigo NE. Hoje te vou levar a um passeio inesquecível! Pode ser, Nordeste?

_ Mas claro! Por que não? Vou descendo. Vou contar e, no três, fechem os olhos e montem no meu dorso. Só os abram quando eu mandar. Lá vou eu! Um, dois...

Aquela foi, sem dúvida, minha melhor assunção. Quando NE deu o toque, abrimos os olhos e ficamos com um frio enorme na barriga. Não havia nuvens sob nossos pés e, apesar disso, não caíamos em queda livre. De repente, NE se encontra com seu irmão SSE e se cumprimentam, batendo as mãos direitas, cujo atrito produziu uma enorme centelha. Aquele pequeno raio foi o suficiente para catalizar milhões e milhões de gotículas de orvalho e, como num passe de mágica, foram-se agregando mais e mais bilhões e milhões de nubéculas. Num piscar de olhos, sob nós aparece um consistente “continente” de enormes cúmulos-nimbos. Daí ficamos mais tranquilos visto não mais ver aquele abismo abaixo de nós. Od Ben, olhos esbugalhados, quase
 não tinha voz de tão abismado.

_ Pô, Pai! “Manero”! Lembrei da figura que a Pró mostrou na aula de Cências. Parecia um mar de sementes de gente, buscando outra semente pra se transformar numa criança. Deve ser assim, Pai! Do nada aparecerem sementes que vão ser alguém assim como o senhor e eu... Só não entendo como o senhor ou o Vô conseguiram plantar essa sementinha dentro da Mamãe e Vovó pra a gente nascer. O senhor sabe? Não consigo entender, por mais que eu tente.

_ Vamos com calma, Filho. Vou aproveitar esse cenário aqui para que eu possa tentar, de forma bem clara para você, apesar de ter apenas nove anos. Quer saber mesmo como?

_ Claro, Pai! Sou todo ouvidos.

_ Então preste atenção. Lembra de quando vamos preparar a terra para o plantio?_ Od Ben consente com um positivo meneio de cabeça._ Pois bem! Primeiro se passar bem o arado na terra para que fique bem fofa, misturando a camada de humus da superfície que 
deixa o terreno mais fértil, facilitando a germinação das sementes. Lembra de como os trabalhadores plantam a semente na terra?

_ Tô ligado! Eles botam a semente na máquina de plantar e, a cada passo, furando a terra num tira e bota, deixam as sementes que depois vão dar legumes da mesma semente. E... o que isso tem a ver comigo e as outras crianças? A gente é plantada na terra? Ixe! Nunca vi uma árvore de gente... Seria engraçado se fosse desse jeito. O senhor tá enrolando e saindo pela direita, né?

_ Não! Não, Filho! Só estou tomando por empréstimo aquilo que você conhece, para lhe falar de algo que ainda não conhece. Veja bem. Você sabe que nós temos órgãos genitais, tanto o homem quanto a mulher. Sabe disso?

_ Sim, mas sei, É só pra dizer quem é homem ou mulher e pra fazer pipi. Que mais não sei?

_ Sim, Filho! Era pra te dizer tudo isso quando fosse maior, um adolescente. Mas já que se apressaram a te dizer antes do tempo, vou esclarecer tudo o que você precisa saber sem esconder nada. Sabia que no corpo da gente tem um plantador parecido com aquele?

_ Oche, Pai! Tás brincando! Onde, Pai? Onde? Aqui só tem meu pinto e o saquinho. Cadê o plantador que o Senhor falou?

_ Filho, presta atenção! Só um detalhe. O nome é pênis e não pinto. É exatamente esse o órgão de plantar semente na mãe para que nasçam nossas crianças. No saquinho, cujo nome é saco ou bolsa escrotal, há duas bolinhas que parecem um novelinho de lã daqueles com que a Vovó faz crochê. Pois é! Dentro do saquinho estão as bolinhas ou seja, testículos. Dentro destes, um fino e comprido canal onde se formam as sementes, que depois vão ser plantadas dentro da mamãe. Mas isso só deve acontecer se for um ato de muito amor porque os filhos devem ser frutos de um verdadeiro amor. Entendeu?

_ Sim, Pai! Só não entendi como o senhor me plantou dentro da Mamãe. Também vou ter que plantar meus filhos desse jeito?

_ Claro, Filho! Mas ainda não chegou a hora para isso. Quando chegar o tempo próprio, você saberá. Certo? Deus criou o mundo inteiro e nos criou também. E foi Ele também quem criou o sexo. Sexo é bom e sagrado, mas devemos usá-lo com responsabilidade e pureza. Qualquer dúvida pode me procurar
 sempre.

_ Tá, Pai! Quando o senhor me plantou em Mamãe, foi por amor?

_ Sim, Filho! Claro que foi por amor, mas também por prazer. E louvo a Deus pelos filhos que nos deu. Só mais uma coisa, Filho! Essa 
nossa conversa deve ficar só entre nós. É algo íntimo e só diz respeito a nós. Não pega bem andar conversando com outros sobre. Esse é o nosso segredo, certo?

_ Tá limpo, Abba!

_ E, quando você for pai, poderá também compartilhar isso com os seus filhos.

Em meio a este saudável papo, são interrompidos por NE:

_ Od Pai! Od Filho! Hora de descer. Uma chuva de granizo se aproxima. Seria melhor e mais seguro vocês em casa. Vamos? No três, fechem bem os olhos. Atenção! Um, dois...

Cabrum! Um raio seguido de trovões. Quando abriram os olhos, já estavam na varanda nascente do chalé. De braços dados, entram na copa, mesa posta para o desjejum. Od abraça e beija Suzana como nunca. Od Ben, Israel e Débora correm e os abraçam em volta.

 


Glossário(*) :


Beni ⇔ hebraísmo; filho meu.
Abba hebraísmo; papai.
Oche  do grego "oxi" - interjeição. Ex. Oche! ⇔ Não!
NE 
 Vento nordeste.
SSE 
 Vento Sul-sudeste.
Nubécula 
 pequena mancha na córnea. P.ext. minúsculas nuvens.



Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 06/07/2013
Reeditado em 04/12/2023
Código do texto: T4375371
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