Uma Prisão

Morei em prédios altos por cerca de dois anos e meio.

Acostumei-me, portanto, a viver acima do chão,

a olhar o mundo de cima, principalmente de noite.

Me acostumei a me postar à beira da janela e olhar a rua, como se estivesse numa nave espacial observando um mundo do qual eu não fazia parte.

Um mundo de pessoas sempre apressadas e alheias as outras. Um mundo de mendigos e cachorros perdidos brigando pelo lixo deixado pelos mais favorecidos.

Padres franciscanos e testemunhas de Jeová se digladiando pela fé dos passantes.

Todos dividindo o espaço com carros e motos de buzinas e motores furiosos,

como se o exterior fosse um hospício, e meu quarto o único lugar onde a sanidade era permitida.

Acho que aquilo tudo contribuía para minha insônia.

Dormia pouco naquele tempo.

Menos do que durmo atualmente.

Hoje, moro numa casa, num bairro próximo à universidade.

Longe do centro, longe do barulho...

Não há mais visão do mundo exterior em minha janela.

Se vê apenas o quintal.

Não há mais a sensação de estar suspenso acima da bagunça do mundo exterior.

Nada de barulho de carros.

Não sinto o vento frio invadindo o quarto e fazendo meus papéis esvoaçarem.

Nesta casa que eu moro é tudo mais ameno.

A casa é grande e dilui minha angustia a cada metro quadrado.

Antes restrita aos contados palmos do apartamento de piso de tacos de madeira.

Aqui tudo é silêncio.

Aqui, sinto que vivo anestesiado.

Minha solidão é menos aparente.

Aqui enxergo em preto e branco e o tempo passa mais devagar.

A embriaguez é mais severa e mais frequente.

Meus versos mais amargos e sem paixão.

Certos dias, sinto que casa,

bem que podia ser uma prisão.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 01/07/2013
Reeditado em 01/07/2013
Código do texto: T4367660
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