Uma Prisão
Morei em prédios altos por cerca de dois anos e meio.
Acostumei-me, portanto, a viver acima do chão,
a olhar o mundo de cima, principalmente de noite.
Me acostumei a me postar à beira da janela e olhar a rua, como se estivesse numa nave espacial observando um mundo do qual eu não fazia parte.
Um mundo de pessoas sempre apressadas e alheias as outras. Um mundo de mendigos e cachorros perdidos brigando pelo lixo deixado pelos mais favorecidos.
Padres franciscanos e testemunhas de Jeová se digladiando pela fé dos passantes.
Todos dividindo o espaço com carros e motos de buzinas e motores furiosos,
como se o exterior fosse um hospício, e meu quarto o único lugar onde a sanidade era permitida.
Acho que aquilo tudo contribuía para minha insônia.
Dormia pouco naquele tempo.
Menos do que durmo atualmente.
Hoje, moro numa casa, num bairro próximo à universidade.
Longe do centro, longe do barulho...
Não há mais visão do mundo exterior em minha janela.
Se vê apenas o quintal.
Não há mais a sensação de estar suspenso acima da bagunça do mundo exterior.
Nada de barulho de carros.
Não sinto o vento frio invadindo o quarto e fazendo meus papéis esvoaçarem.
Nesta casa que eu moro é tudo mais ameno.
A casa é grande e dilui minha angustia a cada metro quadrado.
Antes restrita aos contados palmos do apartamento de piso de tacos de madeira.
Aqui tudo é silêncio.
Aqui, sinto que vivo anestesiado.
Minha solidão é menos aparente.
Aqui enxergo em preto e branco e o tempo passa mais devagar.
A embriaguez é mais severa e mais frequente.
Meus versos mais amargos e sem paixão.
Certos dias, sinto que casa,
bem que podia ser uma prisão.