Conto Nublar #068: DE VIRADA


Não há muitos dias, Brasília estava um caldeirão em efervescência.

Lembrei-me do meu Sertão nos meses de agosto a outubro, quando o clima está de rachar carrapato. Eu suava a cântaros e já sentia saudades de minhas noites cratenses, quando saíamos todos empacotados com os agasalhos que tínhamos para irmos à EXPOCRATO, exposição agropecuária que acontece anualmente na segunda semana de julho. É um dos acontecimentos mais importantes da Região do Cariri.


Saí do meu desejado conforto, fui ao jardim, explorei os arredores, olhei para cima. A maior calmaria pairava sobre o Recanto das Emas. Um rasgo de nuvem sequer podia-se divisar naquela redoma cor de anil acinzentado. Parecia mais uma estufa, dado o calor quase sufocante que me envolvia, como se fosse um roupão líquido, sudoroso. Estava quase a abrir minha boca a me lamuriar, quando ouvi ao longe um ruído em baixíssima frequência, percebida apenas pelas oiças da mente de um arguto poeta escritor ou, quiçá, de um exímio músico de ouvido absoluto. Mas eu sempre entrava em sintonia, pois não era ninguém nada menos que meu amigo Vento Norte.

_ Bom dia, Aéolo Norte!_ Gritei ainda de longe. _ Que boas aragens aqui te trazem a mim? Qual é a causa de tanta “premura”?

_ Bom dia, Od! Primeiro de tudo, deixa de frescura que o meu calor equatorial já vem derretendo tudo! Ninguém é obrigado a saber italiano, hás de convir. Minha pressa é porque, ao perceber que ias vomitar lamúrias, vim-te impedir esse desatino e trazer-te boas notícias.

_ Eita, Norte! Foi mal! Tenho que me policiar, senão findo falando besteira. Mas desembucha que fiquei curioso. Conta logo! 

_ Bom! O ar sobre o Planalto estava sobrecarregado de poluições de todas as espécies e o apelo da Natureza era arfante, urge / emergente. Era priorizante que viesse o ar quente para afastar este mal que sufocava a Região. Por isso vim primeiro da zona equatorial com todo calor que pude catalizar. Assim, abri caminho e veja quem veio atrás, preenchendo o vácuo por mim deixado.

_ Vento Sul! Ah! Agora entendi! Por isso aquele sufoco. Mas, como vim parar aqui em cima, se não havia nuvem alguma?

_ Ah, Od! Até parece! Logo você que bem sabe como vir aqui e já nosso freguês de há muito! Olha só quem vem com Sul! Aliás, deixa-me massagear seu lado Iudi, Ruach Negev*.


_ Todah, rabah, Ruach Tzafon**! Uau! E aquele tapetão nublar de quebra!

De repente, de virada, o céu de Brasília não é mais o mesmo. Vapores d'água dispersos se concentram em belíssimos estratos como a saudarem os cúmulos e nimbos e cirrus arrastados por Vento sul. Não poderia ser diferente à chegada de Sul.

Tumultos se fizeram notar, dado ao diferencial de temperatura. Não é pra menos. Norte em seus 4°C ficou todo ouriçado ante o gélido abraço de seu irmão gêmeo Sul, vestindo um blazer tricotado em finíssima renda de névoa sideral, pespontada sob -40°C. O tapete nublar uniforme foi afetado pelo choque térmico causado pelo abraço eólico e miríades de figuras bem moldadas flutuaram sobre o DF e quem viu, pode se deleitar do inesquecível espetáculo. Quem não teve a mesma sorte, abriu pressurosamente seu guarda-chuva e tratou de buscar abrigo seguro.

E eu ali, sem ação, boquiaberto, aprendendo a lição que nunca devemos nos lamuriar sob pretexto algum. Uma situação desagradável pode ser o prenúncio de que algo de bom está prestes a acontecer. É só crer e esperar para ver.


Fechei meus olhos ao primeiro raio, peguei carona e voltei para casa. não poderia correr o risco de apagar isso da memória.



Glossário:

Aéolo – Vento.
Lado Iudi - refere-se ao lado Judeu, por ascendência.



(*) Ruach Negev – Vento Sul
(**) Ruach Tzafon Vento Norte.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 05/06/2013
Reeditado em 12/06/2013
Código do texto: T4326518
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