ESCREVENDO TRÍVIOLETRAS
ESCREVENDO TRÍVIOLETRAS
Por Vania de Castro e Marco Bastos
Poeta, nunca te esquece - poesia
é pensamento, é sentimento, e prece. (MB)
Trívioletra é uma nova forma de poesia minimalista que procura expressar conteúdos poéticos criativos.
O nome Trívioletra foi criado por Marco Bastos em janeiro de 2013. Trívioletra é a união de dois termos: trívio e letra. Segundo o dicionário priberam.pt:
trívio: s. m. 1. Ponto onde se encontram três caminhos ou três ruas. 2. Na Idade Média, parte do ensino que compreendia as três primeiras artes liberais (a gramática, a retórica e a dialéctica. dialética. dialética). adj. 3. Que se divide em três caminhos.
letra |ê| s. f. 1. Carácter .Caráter. Caráter escrito, impresso ou gravado do alfabeto. 2. Forma que se dá à letra escrita. 3. Som representativo de uma letra. 4. O que está escrito; texto; sentido. 5. Tipo (de imprensa). 6. Poesia que acompanha música. 7. Parte literária de uma ópera. 8. Emblema, divisa, mote. 9. Letreiro, inscrição.
Trívio e letra tornam-se Trívioletra, um trabalho experimental, direcionado à quebra da linearidade da linguagem e ao compartilhamento da escrita, na presunção de que o poema se construa a partir de uma sequência de insights, que se completam na cabeça dos leitores e dos poetas, que não sabem de antemão a que imprevistos a poesia os levará.
A essência da criação poética do Trívioletra é a Gestalt. Entende-se por Gestalt o todo, a totalidade indissociável, o conjunto imbricado conteúdo/forma/configuração. Não há uma tradução exata do termo alemão para a língua portuguesa, porém as palavras citadas aproximam-se do real significado.
Para a criação do Trívioletra usamos cada elemento unitário, isto é, cada palavra que comporá um verso e intensificamos o uso das figuras de linguagem: figuras de som, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras, incluindo neologismos, regionalismos, e estrangeirismos, se for o caso, em prol do estético e do poético. Valem as onomatopeias e as aliterações. Os temas são amplos, livres e triviais. Não se limitam aos fenômenos da Natureza.
Trívioletra fundamenta-se na percepção, na sensação, na memória, no conhecimento, na criatividade do poeta. Assim, num processo harmônico unimos conhecimento, técnica, e, sobretudo, a sensibilidade para criar possibilidades lúdicas, rítmicas, sonoras e musicais entre os signos linguísticos (significantes e significados) e símbolos. Portanto, a máxima da Gestalt “o todo é maior que a soma das partes” evidencia o desdobramento que ocorrerá a partir do título e do segundo verso do primeiro trívioletra.
O conteúdo deve encerrar algum estranhamento, ser rico, elegante, impactante, ousado, simples, inovador e ao mesmo tempo minimalista. O poema não deve ser uma reunião de obviedades, e no entanto, não pode ser um conjunto de coisas desconexas.
Trivioletra é composto por um título (uma palavra) escrito verticalmente e, uma estrofe horizontal com três versos, cada verso separado por barras duplas (//).
O título na vertical tem no máximo sete letras e os três versos totalizam até dezessete sílabas poéticas. Conta-se até a última sílaba tônica de cada verso.
Um exemplo:
T
R
Í
V
I
O LETRA mini(ani)mal // AQUI O TEMA // Acróstico e Poema.
Marco Bastos (TI)
O título tem a mesma função que o segundo verso, portanto o título e o segundo verso são dois temas centrais que funcionam como mote para o desenvolvimento do Trívioletra. Assim, dois assuntos entrelaçados formarão o Trívioletra.
Denominamos Trivioletra, com T maiúsculo o poema como um todo e trívioletra com t minúsculo, cada terceto, nas estrofes horizontais componentes.
Para criar um Trívioletra passamos por três etapas, e cada etapa completa poderá se constituir num completo trívioletra:
1) Trivioletra Individual (TI), exemplificado acima. Conforme a própria denominação, é escrito por apenas um poeta. Assim, o poema terá uma única estrofe. Após registrar a autoria, ele determina que o poema tenha um único autor colocando à frente do seu nome TI entre parênteses.
2) Trívioletra Compartilhado (TC) é escrito por no mínimo dois autores e no máximo sete autores seguindo as letras que compõem o título (uma palavra). Portanto o (TC) é necessariamente um poema em acróstico. Veja o exemplo:
B olas-de-sabão // versos leves // passa uma brisa. - se vão. (1)
R ede na varanda // descanso – um sonho só // flocos azuis (6)
E m revoada // versos nas_sendas // estrelas_algodão (2)
V i a paina em flocos // faina nos blocos // e a nuvem só (5)
E screve, dança // corpo e contrabaixo // brisa passa (4)
S onho - um sonho só // ela abriu a janela // - ai que dó!... (3)
Marco Bastos (TC) 1, 3, 5
Vania de Castro 2, 4, 6
A criação de cada poema segue a inspiração de cada autor e obedece ao entrelaçamento dos temas definidos no título e no segundo verso do primeiro trívioletra.
3) Trivioletra Expandido (TE) é uma releitura, uma revisão ou um olhar avaliativo do Trivioletra Compartilhado (TC). Veja o exemplo:
B olas-de-sabão // versos leves // passa uma brisa. - se vão. (1)
R ede na varanda // descanso – um sonho só // flocos azuis (6)
E m revoada // versos nas_sendas // estrelas_algodão (2)
V i a paina em flocos // faina nos blocos // e a nuvem só (5)
E screve, dança // corpo e contrabaixo // brisa passa (4)
S onho - um sonho só // ela abriu a janela // - ai que dó!... (3)
S onho é mel // à luz de vela // - luz; é quando se abre a janela. (7)
V ersos na manhã // soltos no anil // - mil voos - gaivotas no céu!... (8)
Marco Bastos (TE) 1, 3, 5, 7
Vania de Castro 2, 4, 6, 8
O (TE) é um novo poema criado com a função de provocar em cada autor a oportunidade de expressar a sua compreensão a respeito do (TC) do qual participou e não conhecia ao escrever. Sendo assim, cada autor escreverá um trìvioletra interpretativo-explicativo, como um meio de sintetizar a sua leitura do Trívioletra como um todo. Ele terá dois versos se for escrito por dois autores, três versos se for escrito por três autores e, assim, sucessivamente, com no máximo sete autores que é o número limite do título.
O tipo de Trívioletra que se deseja escrever, Trívioletra Individual (TI), Trívioletra Compartilhado (TC) ou Trívioletra Expandido (TE) é definido pelo autor do primeiro trívioletra e, assim deverá ser respeitado. O (TC) deve ser finalizado pelos autores. O (TE) é opcional, porém se foi iniciado todos os autores terão obrigatoriamente que concluí-lo.
Na construção poética dos Trívioletras recomenda-se:
1) Evitar orações coordenadas/subordinadas, e ligações por conjunções; minimizar o uso das preposições, complementos circunstanciais, adjuntos adverbiais, adnominais, e adjetivos. 2) Usar substantivos "adjetivando" outro substantivo pode dar boas composições. Nas orações coordenadas, dar preferência às formas assindécticas (sem a conjunção coordenativa).
3) Escrever nas entrelinhas. Na linguagem minimalista as elipses, zeugmas, anacolutos, e apostos, metáforas e metonímias, além de contribuírem para compactar os poemas, abrem espaço para que o leitor interaja e participe como agente de criação da poesia que se induz em sua mente. As palavras polissêmicas conduzem a diferentes discursos bem como a associações de ideias. Diferentemente da prosa, o poema não precisa deduzir ou explicar.
4) Não se preocupar com a lógica do poema. Cada poeta é um nefelibata e a poesia se esparrama pelas nuvens, pra depois se fechar na sua Gestalt. A catálise na produção compartilhada é um processo de alta sinergia - os versos vêm praticamente prontos. O ato de criação é alegre e espontâneo.
5) Ao escrever os Trívioletras é preciso ter-se em mente:
a) Cada Ti - Trívioletra individual deve fazer sentido por si mesmo, ou seja, a mensagem se completa em cada Trívioletra individual, muito embora, possa permitir várias interpretações. Os temas induzidos pelo título vertical e pelo segundo verso do primeiro Trívioletra deverão ser abordados, explícita ou metaforicamente.
b) Os Trívioletras individuais consequentes ao primeiro Ti deverão apresentar sensos lógicos e/ou estéticos coerentes com os Trívioletras individuais antecedentes, ou abrir possibilidades para derivações de sentido compatíveis com os múltiplos cenários e contextos que o poema até onde escrito possa insinuar. Ou seja, valem a surpresa, o susto, o estranhamento lógico (e é bom que assim seja) mas não vale o 'absurdo pelo absurdo', que venha a transformar o poema num amontoado de palavras sem sentido ou num conjunto de frases desconexas.
6) Tratando-se de poemas coletivos compartilhados, guiados pelas letras livremente escolhidas pelos autores, formando o acróstico, o autor que escreve "agora" tem mais informações a gerarem novos insights (de fato, antes dele escrever, outro parceiro já adicionou novas ideias). Se esse autor escrever versos (tercetos) seguidos, não estará aproveitando o melhor da parceria. Além desse aspecto, escrever versos seguidos poderá afrouxar a necessária busca pelo minimalismo - o que não conseguiu expressar em apenas um Ti, poderá expressar em dois Ti´s seguidos, com mais comodidade e menos concisão.
Assim:
a) Recomenda-se que um autor não escreva dois Ti´s seguidos um ao outro (no tempo e não entre versos). Entre dois Ti´s de um mesmo autor haverá sempre pelo menos um ou mais Ti´s de outros autores que se revezaram nos momentos de escrever.
b) No caso de poemas compartilhados por mais de dois autores, poderá haver a troca de posições na sequência dos autores. Observado o que está em 6a, vale "furar a fila" mas não vale "roubar a vez".
7) O novo trava, ainda mais quando é desestruturante, desestabilizador. Voltar a ser criança não é fácil. Mas o impulso de brincar com as palavras é importante para escrever trívioletras. É contramão, pois o processo de educação que tivemos prima por sistematizar, racionalizar, matando a criatividade e a ludicidade no viver.
HISTÓRICO, REFERENCIAIS E REFERÊNCIAS.
O TRÍVIOLETRA como poema compartilhado inspira-se no TANKA e no RENGA, ancestrais formas poéticas japonesas. Do Tanka diferencia-se por não ter a métrica e a forma fixa de 5/7/5 - 7/7 sílabas, nos 5 versos de duas estrofes. Do Renga, poemas “ligados”, também se diferencia, por ter forma, além de variável, limitada no tamanho da sequência. Os temas dessas poesias orientais são sempre ligados à Natureza e essa limitação não existe para os Trívioletras, cujos temas ficam a critério do(s) autor(es). O tamanho de um TRÍVIOLETRA é variável, a depender da quantidade de letras no título e do número de autores que estão a interagir; essas quantidades definem a extensão do poema e o tamanho do título define a quantidade máxima de poetas para uma mesma composição. Os Trívioletras também são diferentes dos letrix – que têm outras formas de compartilhamento, e não têm a forma expandida. O Trívioletra trabalha entrelaçada e obrigatoriamente dois conceitos simultâneos. Isso não acontece nos letrix.
Italo Calvino é referencial para a leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência da linguagem.
Iniciado no processo de aprofundamento e de aprimoramento do Letrix (forma sistematizada em 2006 por Marco Bastos - proposta apresentada e não aceita como modalidade de Poetrix), o TRIVIOLETRA ganhou autonomia, e foi desenvolvido em parceria, a partir dos esforços criativos e de organização de Marco Bastos e de Vania de Castro, em janeiro e fevereiro de 2013.
TRIVIOLETRA não é Tanka, não é Renga, não é Haicai, não é Poetrix, não é Letrix. Trívioletra é Trívioletra.