Diabolus Et Vinum

Chamei o Diabo para beber noite passada,

e como bebia, o desgraçado.

Mal pude lhe acompanhar o ritmo em que ele entornava copo atrás de copo.

Neste tempo, pouco falou o Capiroto, apenas ouviu-me, com uma paciência digna de qualquer grande analista da mente humana, tanto que sinto que Freud e Jung não teriam feito melhor.

Vez ou outra me questionava algo,

fazia um ou dois comentários de forma puramente retórica entre um e outro gole de bebida.

As vezes me repetia o que eu havia dito, de forma a trazer luz às minhas perguntas com minhas próprias palavras.

Não me censurou uma vez sequer.

Não me fez sentir culpado, não me deu nenhum conselho.

Tagarelei, confesso.

Sobre meu tédio, sobre minha solidão, minha vida, sobre escolhas que fiz e considero erradas.

Falei-lhe por fim de minhas mulheres.

Então ele me disse, depois e esvaziar o copo.

- Mulheres? Nem eu as entendo... Nem quero entender, diga-se de passagem.

Dizendo isso, sorriu-me e voltou a encher os nossos copos.

- Por que não te voltas para Deus? Larga tudo. Oferece tua vida ao Nazareno, ele tem mais paciência para tanta lamentação. Tu não és nenhum Macário, meu garoto. Nem eu sou nenhum Satã do século XVIII.

O mundo é outro e o Spleen saiu de moda.

O mal do século não vende mais livros, não inspira mais bons poetas.

Aceita o que tu tens ou te trancas num monastério.

Podes negar teu criador, podes negar a mim, mas não podes negar a ti mesmo. Não sem se tornar uma criatura terrivelmente entediante.

Levantou-se então, acendeu um cigarro e apontou para a rua.

- Tenho que ir... Vou oferecer alguma forma pecado a qualquer garota menor de idade. -Esse mercado anda muito mais promissor nos dias de hoje-... Ou tentar algum sacerdote. Padres, pastores protestantes, adolescentes, professores... Hoje o Pecado está justamente onde não deveria estar. Não me interesso mais por Boêmios, prostitutas e viciados. Estes tem mais fé no Criador do que os que realmente deveriam ter. Vocês saíram de moda, garoto.

E assim se foi, Satã.

Não deixou rastro, nem cheiro de enxofre.

O mundo era outro mesmo.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 12/04/2013
Reeditado em 17/02/2019
Código do texto: T4237151
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