FISIOLOGIA DO VAZIO
Quando um homem fica a sós com seu pensamento ele se torna a essência de seu próprio pensamento. Tudo aquilo que ele é ou fez já não lhe pertence, mas sim à uma esfera superior, suspensa, que observa do alto sua pobre condição humana.
Quando a natureza do homem se eleva ele descobre perplexo que ele é todo consciência, que ele existe porque a consciência de si existe e que mesmo sem consciência do mundo lá está ele pairando no vazio de sua existência. O nada transcende, transporta o homem de seu lugar-comum ao centro de si mesmo, e quando isso acontece não há caminho possível de volta. O homem se perde e com ele toda a sua história, suas crenças, seus medos ou costumes. E como agir quando encontramos um homem assim, como fazê-lo desistir da consciência, como trazê-lo de volta? Esse homem já não ouve, não vê, não sente...ele é apenas um pensamento vazio, uma consciência ausente, uma lembrança daquilo que um dia foi o homem. Ele agora não se move, ele está no centro e o centro comanda tudo.
O centro isola o homem, toda a sua história resume-se à falta, ele luta contra essa incompletude e arma jogos e brincadeiras, e faz amigos e se casa e tem filhos. Mas o homem sabe, e sente, que esse vazio não foi preenchido. Ora, não foi porque não há nada, não existe consciência completa e tudo o que já foi escrito ou dito é repetição de outra repetição, o homem percebe que ele é cópia de outro homem e cada coisa que ele faz outro homem já fez. Assim o homem se esquece de que ele é consciência e se torna mecânico e aceita os fatos como seus. Até que, se desprendendo do conceito do EU o homem se torna essência e se percebe em sua pluralidade. Mas o que ele vê não lhe agrada pois ainda falta.
Sempre essa incompletude, sempre essa falta enigmática do ser, e, frequentemente o homem finge que ele existe, acredita realmente que há algo táctil em sua mente e quando descobre que a percepção de si pelo outro é o que o torna consciência o homem retrai-se, diminui-se até se tornar aquilo a que chamamos de EU, que Freud determinou como EGO mas que nada mais é que uma explicação didática, mecanizada, do homem. O que o homem é realmente é a sua própria solidão.
Se há o vazio, o há no lugar de alguma coisa, se o homem é esse vazio ele está no lugar de alguma coisa e portanto ocupa um espaço consciente. Com isso concluo que o nada é significativo enquanto nada, mas se o homem se torna esse nada ele começa a construir seu EU verdadeiro, sua essência e consciência de si. E não há mais como trazê-lo de volta, agora ele é um homem completo!