Conto Nublar #053:
EM PLENO AR COM HERR LUFTH NORTHWIND
Eram 5h 00min quando chegamos ao Aeroporto Internacional de Genebra ou Cointrin. É um aeroporto binacional tendo uma entrada pela França e outra pela Suíça em Genebra.
Naquele dia, acordamos bem cedo, às 3h 30min. Fizemos o checklist de nossas bagagens a fim de vermos se não nos havíamos esquecido de nada. Tentamos pesar as malas na balança digital de pé, mas aquelas tocavam o chão e encobriam também o visor, impedindo-me a leitura da pesagem. Então tive uma brilhante ideia: Pesei-me primeiro e isto ficou valendo como tara. Depois, peguei as malas, uma a uma, e pesei cada uma delas. De cada pesagem, suprimi a tara reservada anteriormente e finalmente pude ter uma pesagem confiável. Como a nossa viagem teve início no Brasil, deu-nos o direito de transportar cada um de nós, duas malas de 32Kg cada. Assim, teríamos direito a até 128Kg de bagagens despachadas.
- (Toc! Toc!) Pai! Dentro de 40 minutos estaremos saindo para Cointrim para evitarmos atrasos no percurso até o aeroporto _ Avisa, nosso filho.
- Certo, Filho! Já tomamos banho e já estamos prontos. Desceremos em instantes.
Pusemos café com leite em duas Starbucks e alguns sanduíches numa lancheira improvisada de guardanapos de papel e lanchamos, enquanto nos deslocávamos em direção ao Aeroporto. Não conseguimos fazer nosso checkin online, visto os bilhetes terem sido comprados por outra companhia e não pela que fazia nossa ponte aérea para Frankfurt, sendo por isso incompatível o serviço virtual.
Chegamos muito cedo, é verdade, mas não gostamos de atrasos e gostamos de ser previdentes. Vai daí que acontecesse algum imprevisto pelo caminho? É melhor prevenir do que remediar. Finalmente chegamos à moça que nos atendeu gentilmente, mas ao pesar nossa bagagem quis nos cobrar pelo excesso de peso, pois em voos tanto domésticos quanto internacionais com origem na Europa, o limite por passageiro é de apenas uma mala ou pacote 24Kg. Repliquei educadamente, gastando o meu enferrujado francês, explicando-lhe que o meu voo tivera início no Brasil e que fomos informados de que teríamos direito aos mesmos 128Kg no total, no retorno. A atendente disse que lamentava, mas aquilo só poderia ser resolvido pela Empresa no Brasil e naquela hora seria impossível, visto que ainda eram 2h 00min no horário de Brasília e não haveria ninguém que nos atendesse.
Para encurtar a história, nosso filho conseguiu se comunicar com o escritório da empresa em Frankfurt e foi confirmado o que o agente do Brasil havia nos informado. Tínhamos, de fato, o direito àquela pesagem que portávamos nas bagagens.
Enfim, embarcamos. Em poucos minutos já estávamos a 8000 pés de altitude rumo ao Aeroporto Internacional de Frankfurt. O sol estava nascendo. Olhando para a terra, nada via a não ser aquele enorme tapete de algodão estendido nas quatro direções. O sol lançou os seus primeiros raios de ouro que se derramaram naquele tapetão nublar, numa visão indescritível. Fiquei de queixo caído e de coração agradecido ao Senhor por nos brindar com aquele inesquecível espetáculo.
O sol ousou subir um pouco mais. A impressão que me dava é que a aeronave era uma enorme prancha de surf a entubar uma gigantesca onda sideral. Lá, bem ao longe, acima daqueles nimbos de ouro, flutuavam gigantescas montanhas e cúmulos e estratos num matizado entre ouro e cinza, jamais visto. Era um memorável de êxtase, raro momento de gozo imarcescível que quase perdi a hora do lanche. Mas se tivesse perdido, teria valido a pena. Era como se fosse um imenso, infindo túnel furta-cor, à medida que o sol saía por trás do horizonte.
E eu ali, pensando e repensando, enquanto os montanhosos cúmulos-nimbos iam sofrendo metamorfose ao sabor dos velozes e talentosos ventos.
Minha mente fervilhava de ideias ao ponto de, virtualmente, me transpor para aquele celeste ambiente. Então o cumprimentei na língua da terra abaixo de nós:
- Guten Morgen, Herr Noth Wind (Bom dia, Senhor Vento Norte!)!
- Guten Morgen, Herr Brasilianischen (Bom dia, Senhor Brasileiro)! _ Responde-me ele.
- Lá de baixo nunca imaginei que, cá em cima, existisse um mundo maravilhoso como este. Sempre pensei que as nuvens fossem apenas aglomerados de gotículas d'água, eletricamente carregadas, sopradas ao sabor do vento. No entanto, o que vejo é algo estonteante que me deixa sem palavras para descrever as maravilhas de Éolos, o Mundo dos Ventos.”_ Falei com entusiasmo.
- Que bom que atendeste o nosso apelo! Somente um olhar poético poderia nos ver e nos tirar do limbo da inexistência. Agora, apressa-te! Volta sus, para teu assento, antes que Dona Susana note tua ausência e também porque o piloto já prepara a aeronave para pousar em Frankfurt!! Assaz! Sus! Mas antes, te peço um favorzinho. Quando chegares ao Brasil, procura divulgar entre os poetas as minhas obras nublares. Que eles possam captar as mensagens que tento transmitir através de minhas esculturas mutantes. São infinitas possibilidades de enredos. Um segredo! Na verdade, eu crio as esculturas, esperando que eles descubram as histórias que estão latentes no recôndito de suas mentes.
- É mesmo, Herr Éolos North Wind! Muito grato pelo inesquecível tempo que aqui passamos. E podes deixar! Será um prazer! Sei que dirão que sou louco, mas, quem não é? Podes deixar que, mesmo assim, divulgarei a ideia com muito prazer e carinho! Espero que muitos escritores e poetas se juntem a nós e explorem esta inesgotável jazida.
- Volta logo ao teu assento que o avião vai começar os procedimentos de descida!
- Auf Wiedersehen, Herr Lufth Eolo! Até breve, Senhor Vento!
De volta ao meu assento, ouvi o comissário de bordo avisar em Alemão, Francês, Italiano, Inglês e Português Lusitano que os pilotos davam início aos procedimentos de descida. Instintivamente, olho pelas janelas, nos dois lados, pra frente e pra trás e nada via a não ser um imenso tapetão de nuvens. “Como vão pousar sem o contato visual?”, pensava e logo o comandante nos avisava que, a partir daquele instante a aeronave estava sob o comando do pessoal de terra.
Foi um suspense emocionante ver aquele gigante de aço descendo e sendo tragado lentamente por aquele mar de espuma nublar até tocar suavemente em solo firme.
- Ei, Od! Isso fez-me lembrar de quando você e os meninos brincavam no simulador de voo e como era emocionante ver vocês fazendo seus aviões pousarem em terra. Lembra?” _ Perguntou-me Susana, com um sorriso mesclado de saudade.
Enquanto eu, concordante, meneava a cabeça afirmativamente.
Enfim, em solo, fomos à imigração e de lá para o novo checkin e lá fomos nós, emproados direto à Cidade de Salvador, Capital da Bahia, contando as horas de pisar novamente em solo pátrio.