Vida em solução de continuidade
Vida em solução de continuidade — CXXIX
13DEZEMBRO2012—QUINTA-FEIRA.
(continuação de 12de dezembro 2012).
Vida que segue
XXIV
"Porque está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios, e aniquilarei a inteligência dos inteligentes." (1 Coríntios 1:19)
Anabela, ouvindo Anselmo dizer que Jaques era o mais inteligente de todos, se posicionou a favor do irmão, para não parecer virulenta, e disse à mãe reconhecer que diante de tanta pressão, ele não poderia ter agido diferente; George concordou e Cleópatra foi cuidar de Fernando.
Os ânimos no lar de Cleópatra ficavam mais tensos à medida que seus filhos cresciam —, ela não era inclinada à pieguice; remoía inconformada por não vê-los seguindo os caminhos que ela traçara, tais como, quando se faz um desenho, ou brinca-se de boneca —, conforme a aparência e atitude de cada um — dava sempre mais ênfase a aparência.
Inicialmente se ressentiu com o mais velho, seu preferido, pois o queria engenheiro, já que médico, sua profissão preferida, ele rejeitou desde que entrou para a escola técnica, aos onze anos. O menino, ainda na sétima série, aos treze anos, deu de criticar à mãe. Isso foi seu passaporte para o regresso dos sonhos de futuro engenheiro. Tudo o que ele não poderia fazer, era mexer no pedestal onde ela se postara, e não abria mão — às vezes dizia impensadamente, apenas para imprimir uma manifestação de força: “Nem se Jesus Cristo descesse do céu agora, eu mudaria!” —, por nada nem por ninguém. As críticas do filho a deixava num misto de perplexidade, injúria e admiração. Ficava surpresa, e achava que inteligente daquela forma, só mesmo seu filho; não admitia — ainda que lhe jurassem que era apenas manifestação própria de quem estava passando por aquela idade; a idade do aprendizado e entusiasmo, principalmente quando se tem liberdade para pensar, tendo a fisiologia a lhe favorecer —, que outros fossem tão inteligentes quanto ele. Jéferson, pensava Cleópatra, que até pouco tempo lhe era totalmente submisso e dedicado, que seguia sempre suas orientações, agora virava o jogo, e tinha a petulância de querer ensiná-la a viver, dando-lhe lições de moral; dizendo como um casal com filhos deveria se comportar diante deles, para só lhes dar bons exemplos, e assim formar boas pessoas. Estupefata, inquiria, após o quase inútil discurso de Jéferson, sobre o que ele sabia da vida na prática de quem vivia na pobreza, para se arvorar a querer ensinar a quem criava todos aqueles filhos. E não poupava a nenhum deles de saber o que ela considerava suas intrépidas atitudes, tal como ter chantageado o marido para conseguir comprar seu uniforme, que não rivalizava com os dos colegas de famílias mais prósperas; começava assim sua palestra materna, a fim de deixar clara sua posição hegemônica naquela casa, até levar sua laringe aos limites, só parando quando começava a tossir.
(Lere)
(continua amanhã,14dezembro2012—sexta-feira).