minúsculas

//A saudade é uma tatuagem na alma.

Só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós. (Mia Couto)//

Ela deixou de responder. Não frequentava mais os mesmo lugares, não a via na rua – onde passava horas sob o sol escaldante. Ligava, escrevia, cheguei a ir duas vezes a porta de seu apartamento, mas ninguém estava lá. Ela deixou de responder.

Os primeiros dias doeram. Queria saber se ela estava bem, queria perguntar se tudo se resolvera. Bebi. Bebi muito. Esqueci-me. E o álcool acabou e os dias passaram. Nossa música tocou e lembrei de minhas mãos na cintura dela, nosso suor misturado, os rostos colados. Deixei flores. Ela deixou de responder.

E nossas promessas, nossos beijos nunca dados, canções não dançadas, cervejas não bebidas, cigarros não tragados. Nunca realizamos. Nosso amor era idealizado, eu era perfeito para ela e ela para mim. Era perfeito na distância, nos olhares trocados escondidos, ela existia ali, num mundo perfeito, era minha nos sonhos. Desejei dizer “amo você”, repetidamente. Ela deixou de responder.

Um dia, como se o mundo não precisasse de novas histórias, como se meu coração não doesse o suficiente. Em um curto bilhete, escrito em folha usada, arrancada de um livro velho. “sinto sua falta !”. Minúsculas. Perguntei o porquê. Ela deixou de responder.

E os dias passaram, as folhas caíram, o frio chegou. Nossos rumos se separaram. Veio a primavera. O calor do verão. As folhas voltaram a cair. Olhei para aquele papel amarelado. Onde em minúsculas três palavras cobriam outras palavras.

“Deixaria mil certezas pela dúvida de teus lábios. Abandonaria a segurança da terra pela fúria do mar. Sou cativo em prisão de saudades e de tua boca ouço a liberdade: avenida longa e fria, que percorre a distância e te mantém longe. Deixo a ti, coração, a minha verdade: Não existe dor no mundo maior que a saudade de não te ter, mas minha vontade de estar ao teu lado não permite que ela seja mais forte do que possamos suportar. sinto sua falta !”

Nunca mais a vi. Nunca nem nos falamos. Suportei. Perdi-a para as circunstâncias. Não sei onde ela está. Não deixei de amar. Nunca deixou de doer.