CORDEL #061: SEM PAI, SEM MÃE – EU E ELA
Meu avô, um certo dia
Chamou-me: “Bosco, vem cá!
Eu só quero constatar
Se você (dê-me a alegria!).
Herdou de mim a poesia.
Foi logo me dando trela
De susto, deu um nó na goela
Aquilo soou como um dote,
E logo me deu esse mote:
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Fiquei ali matutando
Como ia desenvolver
E num cordel devolver
Como ele estava esperando
No mote fui trabalhando.
Seria alguma novela?
É sua história ou a dela?
Brotou-me ali, num relance,
É sobre eles, (que lance!)
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
O vovô também queria
Outra coisa me passar
Me escolhera pra me dar
Seu dom de quiromancia
Além de sua poesia.
Os segredos me revela
Quer ao sol ou à luz de vela
Como ler a mão de alguém
E sem cobrar um vintém
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Tornei-me assim quiromante,
Lia a mão por puro robe;
Minha fama logo sobe.
Por pouco fui cartomante,
Mas nunca usei turbante.
Tinha um cravo na lapela,
Chovia assim de donzela,
Só pra eu pegar na mão,
Revelar seu coração,
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Só uma estrofe escrevi
Do mote que o vovô deu
Fi-lo contente, creio eu.
Em seu rosto um brilho vi
De si elogio ouvi:
Boa rima! Tá na tela,
Bom poeta se revela.
De mim o dom 'cê herdou
Reconhecimento dou.
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Muito cedo comecei
Minha solitária vida.
Sem casa e sem comida,
No trabalho me apeguei;
Os amigo' abandonei
Para o pão ter na tigela.
Então, conheci a donzela,
Que hoje é minha senhora;
E vivemos como outrora:
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Meu avô foi logo lendo
E ficou maravilhado,
E disse assim, abismado:
“O que é isto que estou vendo?
Saiu boa e sem remendo.”
Bom poeta se revela
Escreve sem corruptela
Você tem veia poética
Versos com rima e ética.
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Foi essa a primeira glosa
Que pro vovô eu compus
Minha verve assim dispus
Nasceu qual botão de rosa,
Fiquei assim todo prosa.
E agora, meu ser anela
Pois já ganhei minha costela.
Igual aos avós nós somos
O que nem sempre nós fomos,
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
Já depois de tanto tempo,
A Jesus me converti
E nunca mais perverti
A verdade em contratempo,
Por aquele passatempo.
A verdade meu ser vela,
E sempre me pauto nela;
Deixei a quiromancia.
Deus me usa em profecia,
Sem pai, sem mãe – eu e ela.