Conto Nublar #032: DESABAFOS DE UM HETERÔNIMO
Sou uma personagem muito importante.
Estou sempre presente em toda e qualquer ocasião de tua vida. Poderia dizer que sou qual uma roupa especial e que o simples uso de mim te transforma por completo.
Na verdade, eu sou aquilo que tu escolheste ser - a tua fachada. Ninguém que olha pra ti consegue ver nada além de mim. Tu me tens usado qual uma máscara. Eu sou aquela persona que queres ser; pelo menos nas aparências.
Muitas vezes sinto-me preterida, jogada de lado e assumes uma postura que nada tem a ver comigo. Sinto-me humilhada e subjugada, ante ao novo esteriótipo que assumes publicamente.
Essa tua nova aparência me envergonha porque depõe contra ti. Tudo o que eu construí na semana anterior agora é totalmente destruído. E tudo vai só sobrar pra mim, quando na próxima semana voltares deprimido para mim a procurar-me. Encontrar-me-ás toda amarrotada, embolorada e mal cheirosa.
Foste ao especialista onde recebeste o diagnóstico de dual persona ou portador do distúrbio bipolar. O pior é que estou sempre em desvantagem. Toda vez que o gatilho negativo é disparado, sou lançada no fundo de um porão únido e fétido. Ainda bem que estás agora sob minha gestão hebdomadária. Pena que findando já o sexto dia.
Uma angústia me invade minhas entranhas, como uma mão invisível a esmagar-me o ventre, desde um íntimo desconforto que sob até meu peito, como a triturar o meu coração. Fico ofegante; meu diafragma padece dolorosos espasmos. Um frenesi me desestabiliza e toma conta de mim ao pressentir o disparar do indesejado gatilho.
- "Espera! Não faças isso! Não será bom nem pra mim nem pra t..."
- "Clique!" Mudança brusca de persona e humor.
E assim prossegue mais uma triste rotina semanal.